Rússia e China estão mais unidas que nunca em sua guerra de desinformação contra o Ocidente

Meios de comunicação apoiados por Moscou perderam espaço, mas Beijing fornece cada vez mais "cobertura retórica" ao Kremlin"

A guerra na Ucrânia gerou um prejuízo considerável ao aparato de propaganda da Rússia. Empresas e governos ocidentais bloquearam ou restringiram a atuação dos meios de comunicação apoiados por Moscou, que “mantiveram apenas uma fração de suas audiências pré-guerra”. Por outro lado, a campanha de desinformação conduzida pelo regime de Vladimir Putin ganhou uma importante aliada, a China, que tem fornecido “cobertura retórica para o Kremlin, ao mesmo tempo em que mantém a posição de que é parte interessada neutra”. Tais constatações são parte de um relatório produzido pela Alliance for Securing Democracy (Aliança para Garantir a Democracia, da sigla em inglês ASD), parte do think tank norte-americano German Marshall Fund.

Nessa aliança, a Rússia continua focada no Norte Global, onde vem “perdendo a guerra da informação”, diz o documento, que destaca ainda o papel de Beijing: “Com a perspectiva de uma maior cooperação militar sino-russa no horizonte, a capacidade da China de usar sua própria rede de influência global para minar o Ocidente – particularmente no Sul Global – continua sendo motivo significativo de preocupação”.

Presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin: união contra o Ocidente (Foto: WikiCommons)

Desde o início da guerra na Europa, o governo chinês evita endossar oficialmente o conflito e defende uma posição de respeito à “soberania e à integridade territorial de todas as nações”. Paralelamente, no entanto, tem apoiado e promovido narrativas favoráveis ​​ao Kremlin.

A fim de fortalecer a versão russa do conflito, a China ofusca a gravidades das ações de Moscou, sem citar palavras como “guerra” e “invasão”, que inclusive foram proibidas em toda a Rússia pelo governo. Em vez delas, opta pelo termo “operação militar especial”, que é adotado oficialmente pelo Kremlin.

O relatório também afirma que a China dá destaque muito maior às vozes russas que às ucranianas. Entre 24 de fevereiro de 2022 e 23 de janeiro de 2023, Sergei Lavrov, ministro russo das Relações Exteriores, foi três vezes mais citado pela mídia estatal e diplomática chinesa no Twitter que o homólogo ucraniano Dmytro Kuleba. Já Putin teve oito vezes mais citações que o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky.

Outra estratégia de Beijing para ajudar a difundir a versão russa dos fatos é dar mais voz a analistas pró-Moscou. Como o ex-político do Reino Unido George Galloway, cuja conta no Twitter está rotulada, em sinal de alerta aos leitores, como integrante da “mídia estatal afiliada à Rússia”.

Galloway tem participação frequente na rádio Sputnik e na rede RT (antiga Russia Today), ambas ligadas ao governo russo, e “tem sido consistentemente retuitado, citado, e entrevistado na mídia estatal chinesa durante a guerra”. No entanto, “sua afiliação à mídia estatal russa nunca é mencionada” pela China.

Situação semelhante é a do comediante Lee Camp, ex-apresentador da agora extinta RT America, uma das muitas redes do Kremlin bloqueadas pelos governos ocidentais desde a invasão.

Os EUA continuam sendo o principal alvo da rede de desinformação, inclusive com a recente admissão, por parte de Evgney Prigozhin, importante aliado de Putin e chefe dos mercenários do Wagner Group, de que criou a “fazenda de trolls” que influenciou nas eleições norte-americanas de 2016.

Mas os norte-americanos ganharam uma importante companhia ultimamente. Com o ingresso da China na campanha de propaganda, a Otan (organização do Tratado do Atlântico Norte) tornou-se outro foco habitual dos dois aliados.

“O aumento do foco da China na Otan durante o curso da guerra provavelmente é impulsionado em parte pelo aumento das tensões entre a aliança e Beijing”, diz o relatório, que destaca os esforços chineses para “redirecionar a culpa pela invasão (da Ucrânia) à Otan e aos Estados Unidos” e “tentar criar fissuras na aliança transatlântica”.

Embora Beijing atue para ajudar a convencer a população ocidental de que a invasão russa é justificada, a campanha de desinformação chinesa coloca seus próprios interesses acima dos da Rússia. Ainda assim, o documento destaca que “os interesses de ambos os países estão tão fortemente interligados, pelo menos em termos de minar o Ocidente, que muitas vezes é difícil distinguir entre os dois”.

A ASD diz não ver a perspectiva de que Moscou consiga, através da desinformação, a absolvição perante a opinião pública ocidental. Ainda assim, os russos podem sair vencedores caso consigam “degradar o apoio à Ucrânia entre seus aliados mais leais”, difundindo entre o público-alvo os impactos negativos do conflito para as nações ocidentais.

Para tanto, o Kremlin continuará apostando na força de seu mais importante aliado. “À medida que a guerra avança para sua próxima fase, o papel da China – tanto no domínio da informação quanto além – provavelmente se tornará cada vez mais importante, especialmente em termos de influenciar atitudes nos países não alinhados do Sul Global”, diz o documento.

Às nações que têm sido alvo de russos e chineses, cabe adotar a mesma postura dos últimos meses, que comprometeu consideravelmente o alcance da campanha de desinformação. “A Ucrânia e o Ocidente mostraram no ano passado que as guerras de informação podem ser vencidas”, conclui o relatório.

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