Mídia estatal russa lidera rede de desinformação global de Moscou, dizem relatórios

Departamento de Estado dos EUA coloca RT e Sputnik como elementos críticos na desinformação e na propaganda de Moscou

Nos últimos meses, a mídia estatal russa entrou na mira das nações ocidentais. A Alemanha lidera a empreitada, após proibir as transmissões do canal em alemão da emissora russa RT. Luxemburgo seguiu o mesmo caminho, e a França abriu investigação para avaliar o comportamento da empresa. Dois estudos publicados nos últimos dias atrelam a emissora, bem como a agência estatal de notícias Sputnik, à inteligência da Rússia, liderando uma campanha de desinformação focada não somente em fortalecer a imagem do Kremlin, mas também em desestabilizar governos alinhados com Washington.

Relatório publicado no dia 20 de janeiro pelo Departamento de Estado dos EUA destaca a atuação dos veículos de mídia a serviço da inteligência russa. “Os meios de comunicação russos financiados pelo Estado e dirigidos pelo Estado RT e Sputnik são elementos críticos no ecossistema de desinformação e propaganda da Rússia”, diz o documento.

Na avaliação do governo norte-americano, as empresas se apresentam como independentes, mas essa independência é apenas fachada. O relatório afirma que RT e Sputnik atuam a serviço do governo Putin, usando o “disfarce de meios de comunicação internacionais convencionais para fornecerem apoio de desinformação e propaganda para os objetivos de política externa do Kremlin”.

Sputnik, agência de notícias do governo da Rússia (Foto: reprodução de vídeo)

Análise semelhante foi feita pelo Robert Lansing Institute (RLI), uma ONG dos Estados Unidos que classifica a RT como “instrumento de propaganda e desinformação russa”. E cita, entre os temas focados pela emissora, o da pandemia de Covid-19, particularmente na França.

Segundo o relatório da entidade, a “RT oferece cobertura diametralmente oposta ao público internacional e ao russo”. Em seu território, a emissora destaca a importância e a segurança da vacinação contra a Covid-19, estimulando que a população se proteja do coronavírus. No exterior, ao contrário, supervaloriza “quaisquer efeitos colaterais das vacinas, independentemente da frequência de tais casos”, a fim de semear a discórdia e jogar os cidadãos contra os próprios governos.

“A narrativa comum para todas as edições da RT é retratar o mundo de uma forma em que todas as democracias estão mergulhadas no caos, enquanto o sistema autoritário na Rússia permanece estável e não é propenso a crises”, diz o RLI.

Como exemplo do poder que o Kremlin exerce sobre os meios de comunicação estatais, a ONG cita a editora-chefe de ambos, Margarita Simonyan, descrita como “afiliada ao Ministério da Defesa russo e à inteligência militar russa”.

Diz o documento: “Simonyan iniciou sua carreira como correspondente de guerra durante a guerra da Chechênia, o que indiretamente confirma seus laços com o GRU (Departamento Central de Inteligência da Rússia). Em 2005, ela ainda recebeu uma medalha do Ministério da Defesa”.

O Departamento de Estado também cita “casos documentados de laços estreitos entre funcionários do governo russo e a RT”. Igualmente, toma Simonyan como exemplo e diz que ela se gaba por ter uma “linha segura para o Kremlin, através de um telefone amarelo para ‘discutir coisas secretas'”. As linhas amarelas foram supostamente criadas para manter o governo em contato direto com os chefes da mídia estatal na Rússia.

A conclusão do RLI é a de que RT e Sputnik não “são mídia real, pois não têm nada a ver com jornalismo em seu sentido normal”. Porém, mesmo dentro do governo russo, nem todos os meios de comunicação estão alinhados, ainda que ligados ao governo. “As campanhas de desinformação russas são descentralizadas, devido a uma rivalidade contínua entre vários centros de produção e distribuição de conteúdo próximos ao Kremlin”, diz o texto.

O que há de comum entre todos os veículos estatais é o objetivo: “Minar a ordem liberal e democrática ocidental”, diz a ONG em sua análise. O documento do governo dos EUA segue a mesma linha e diz que a meta é “influenciar a opinião pública e a política externa em favor dos objetivos políticos do Kremlin”.

Rede de desinformação

Lançado em 2005 como Russia Today, a RT expandiu-se, criando canais e sites em idiomas como inglês, francês, espanhol e árabe. Nos EUA, a emissora, a exemplo do que é praticado na Rússia, foi obrigada a se registrar como “agente estrangeiro”. Já no Reino Unido, as autoridades ameaçaram cancelar sua licença de transmissão. A RT foi banida em países como as ex-repúblicas soviéticas da Lituânia e da Letônia.

No caso da Alemanha, em represália à proibição da RT, a Rússia anunciou na semana passada o fechamento da sucursal da rede alemã Deutsche Welle (DW) em Moscou. Também proibiu seus programas e anulou os credenciamentos de seus funcionários.

Em setembro de 2021, a Rússia havia ameaçado bloquear o YouTube em todo o país por conta da exclusão de dois canais estatais em alemão dentro da plataforma de vídeos. A exclusão ocorreu porque os canais teriam violado as diretrizes de desinformação sobre a Covid-19. Um dos canais era justamente a versão alemã da emissora russa RT, e o outro é o DFP (Der Fehlende Part), afiliado da própria RT.

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