O Exército do Nepal foi mobilizado nesta semana para conter uma onda de protestos que tomou as ruas da capital Katmandu e outras cidades, após denúncias de corrupção e privilégios da elite política. A crise levou à renúncia do primeiro-ministro KP Oli, na terça-feira (9), depois que manifestações se transformaram em uma revolta popular. As informações são da agência Al Jazeera.
Segundo autoridades, pelo menos 19 pessoas morreram em confrontos com as forças de segurança na segunda-feira. Mais de cem ficaram feridas. Entre as vítimas fatais, a esposa do ex-primeiro-ministro do Nepal, Jhalanath Khanal, Rajyalaxmi Chitrakar, morreu na terça após sofrer queimaduras no incêndio provocado por manifestantes em sua casa. Ela chegou a ser hospitalizada em estado crítico, mas não resistiu.
Os manifestantes incendiaram o Parlamento, prédios governamentais e residências de políticos, além da sede do grupo de mídia Kantipur Publications. Ministros precisaram ser retirados de helicóptero. Quase 200 pessoas ficaram feridas em confrontos com a polícia, que usou gás lacrimogêneo, canhões de água e munição contra insurgentes que tentavam invadir o parlamento e prédios oficiais.

O estopim dos protestos foi a indignação crescente contra os filhos de autoridades, apelidados de “Nepo Babies”, que exibem estilos de vida luxuosos nas redes sociais. A mobilização ganhou força após o governo bloquear, por alguns dias, mais de 20 plataformas digitais. Críticos acusaram o governo de usar a proibição como tentativa de sufocar a campanha anticorrupção, medida que acabou sendo revogada na segunda-feira (8).
Nesta quarta-feira (10), em meio ao toque de recolher, o Exército ordenou que a população permanecesse em casa. Analistas afirmam que, embora oficialmente tenha a função de restaurar a ordem, na prática a instituição exerce o comando de fato, já que o presidente Ram Chandra Poudel, aliado da elite política, não tem legitimidade entre os manifestantes.
“Constitucionalmente, o presidente está no comando. Mas, funcionalmente, quem está no comando é o Exército”, disse à reportagem o pesquisador Bishnu Raj Upreti, do Centro Nepalês de Pesquisa Contemporânea.
Revolta geracional
Enquanto isso, milhares de jovens da geração Z (primeiros nativos digitais, nascidos entre 1995 e 2010) organizam-se em plataformas online para discutir demandas e negociar os próximos passos. Entre as reivindicações estão a dissolução do parlamento, eleições antecipadas, limites de mandato para chefes de governo e até a eleição direta de primeiro-ministro.
O prefeito de Katmandu, Balendra Shah, de 35 anos, desponta como uma das figuras de maior apoio popular. Rapper antes de entrar na política, Shah foi eleito de forma independente em 2022 e tem se posicionado a favor dos protestos.
Apesar do ressurgimento recente de movimentos pró-monarquia, especialistas dizem que a juventude que lidera as manifestações não pede a restauração do antigo regime. A república, afirmam, segue sendo a estrutura central em debate.
O Nepal enfrenta o pior protesto em décadas, reflexo da instabilidade política desde o fim da monarquia em 2008. Jovens, sem perspectivas de emprego, têm migrado em massa para países como Oriente Médio, Coreia do Sul e Malásia, sustentando famílias com remessas.