A conspiração da Rússia para controlar a internet não é mais segredo, diz analista

Tentativa russa de impor rédeas à internet já é um elemento-chave na política externa do Kremlin

A campanha da Rússia para controlar a internet já ultrapassou os limites das agências de inteligência. O que antes era segredo agora é uma “meta explícita proclamada” pelo presidente Vladimir Putin. A conclusão está na coluna do analista político e escritor norte-americano David Ignatius.

Segundo ele, a tentativa de impor rédeas à navegação é um elemento-chave da política externa do Kremlin. No dia 21 de abril, em discurso à assembleia federal, o presidente russo afirmou que os EUA e outros países ocidentais rejeitam “obstinadamente” as numerosas propostas da Rússia para estabelecer um diálogo sobre informação e segurança cibernética.

“Já apresentamos essas propostas muitas vezes. Eles evitam até mesmo discutir este assunto”, disse Putin. “Pedir diálogo internacional exige coragem vindo do maior cyberbully do mundo”, escreveu Ignatius. O analista cita as tentativas de intromissão nas eleições nos EUA de 2016, 2018 e 2020, além de “travessuras” semelhantes em outros países do mundo.

A conspiração da Rússia para controlar a internet não é mais segredo, diz analista
Caricatura de Vladimir Putin, de 2016 (Foto: Creative Commons/DonkeyHotey)

Duas frentes

“Controlar o espaço de informações, como os russos às vezes o chamam, há muito é uma prioridade da inteligência para Moscou”, disse o analista. Ignatius lê que a Rússia empreende uma ofensiva de ciberdiplomacia em duas frentes.

“Primeiro, as Nações Unidas abraçaram a proposta da Rússia de escrever um novo tratado que rege o crime na internet para substituir a convenção de Budapeste de 2001, que Moscou rejeitou por ser muito intrusiva”, apontou. Em segundo lugar está o lobby russo a favor de seu candidato à chefia da União Internacional de Telecomunicações (ITU) da ONU.

O objetivo é que o candidato apoiado pelos russos use seu poder para suplantar o grupo privado atual, conhecido como ICANN, que coordena os endereços da Internet. “Essas batalhas regulatórias internacionais parecem obscuras, mas ajudarão a determinar quem redige as regras para as comunicações pela Internet para o resto do século 21”, pontuou.

“A questão fundamental é se o processo de governança beneficiará os estados autoritários que desejam controlar as informações ou os defensores da abertura e da liberdade”. De acordo com Ignatius, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, já destacou a importância da escolha.

“Existem poucos itens que, em última análise, terão um impacto maior nas vidas das pessoas em todo o mundo do que o posto da ITU”, disse o principal diplomata norte-americano. “Pode parecer seco e esotérico, mas é tudo menos isso. E por isso estamos muito, muito ativamente engajados nessa frente ”.

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em encontro com o chefe de Estado da Venezuela, Nicolás Maduro, em Moscou, setembro de 2019 (Foto: Kremlin)

Quem é o candidato russo à ITU

O preferido de Moscou para chefiar o órgão é Rashid Ismailov, ex-vice-chefe do ministério de comunicações da Rússia e ex-executivo da empresa chinesa de telecomunicações Huawei. Ao anunciar a candidatura, em 7 de abril, Maxim Parshin, o atual vice-ministro, sublinhou o plano de aquisição da governança de Moscou.

“Acreditamos que é importante definir uma entidade, no âmbito da ONU, que desenvolva e implemente normas e padrões legais no campo de governança da Internet. Achamos que a ITU poderia se tornar essa entidade”, disse.

Já a candidata de Joe Biden é Doreen Bogdan-Martin, uma especialista americana em telecomunicações que atualmente é diretora do escritório de desenvolvimento da ITU. Habitualmente indiferente a esse tipo de disputa, agora o Departamento de Estado norte-americano empreende uma campanha agressiva por Bogdan-Martin. A eleição deve ocorrer no final de 2022, na Romênia.

O órgão foi fundado em 1998, com objetivo de supervisionar nomes de domínio para o sistema Arpanet do Departamento de Defesa dos EUA. Ele funcionou sob um contrato com o Departamento de Comércio até 2016, quando se tornou totalmente privado.

Agora, as raízes norte-americanas da internet parecem perturbar Putin e alimentar conversas conspiratórias. “A Rússia está pronta para discutir as regras que moldarão o futuro das comunicações pela internet. Felizmente, o governo Biden parece determinado a lutar muito para manter regras justas e abertas”, concluiu o Ignatius.

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