EUA e Ucrânia estão prestes a assinar um acordo para a divisão de receitas referentes às reservas ucranianas de minerais estratégicos, segundo fontes próximas às negociações citadas por diversos veículos de imprensa. O pacto, no entanto, não prevê garantias explícitas de segurança para Kiev, que enfrenta a ameaça contínua da Rússia. Apesar disso, analistas se dividem sobre quem se beneficiará mais com o acordo: se os EUA, que conquistaram termos considerados por alguns como “extorsivos”, ou a Ucrânia, que pode, no longo prazo, usar o acordo a seu favor.
Discutido sob forte pressão da administração Trump, o pacto seria uma compensação pelo apoio militar norte-americano durante a guerra e uma forma de manter Washington como um aliado.
Embora os detalhes do pacto não sejam conhecidos ainda, fontes citadas pelo jornal The New York Times indicam que a Ucrânia destinaria parte das receitas futuras de seus recursos naturais, como titânio, lítio e urânio, a um fundo controlado pelos EUA. Esse fundo reinvestiria parte dos recursos no próprio país, com o objetivo de atrair capital estrangeiro e reconstruir a nação.
Apesar de o acordo não incluir garantias de segurança explícitas, o governo americano argumenta que a parceria econômica entre os dois países já seria suficiente para assegurar os interesses ucranianos. “O que poderia ser melhor para a Ucrânia do que estar em uma parceria econômica com os Estados Unidos?”, disse Mike Waltz, assessor de segurança nacional dos EUA.

Alguns analistas, no entanto, enxergam o acordo como uma forma de exploração. “A nova garantia de segurança é essencialmente uma extorsão”, afirmou Steven A. Cook, do Council on Foreign Relations, que falou ao The New York Times e contestou o argumento de Waltz.
A exigência de que a Ucrânia compartilhe sua riqueza mineral em um momento de guerra e dificuldades econômicas foi comparada a um “esquema de proteção” da máfia por Virginia Page Fortna, cientista política da Universidade de Columbia e especialista em acordos de paz.
“O que estamos vendo é uma estratégia de sucesso no curto prazo, mas desastrosa no longo prazo”, acrescentou Joseph Nye, da Harvard Kennedy School. Segundo ele, o acordo tem características coercitivas e segue a cartilha adotada por Trump com Canadá e México, pressionados a reforçar a segurança de fronteira sob a ameaça de sofrerem punições comerciais.
Mas nem todos pensam da mesma forma. Pierre Briancon, em artigo publicado pela agência Reuters, sugere que o acordo pode, no fim das contas, beneficiar a Ucrânia. Ele lembra que foi o presidente Volodymyr Zelensky, em setembro, quem propôs inicialmente a ideia de compartilhar recursos naturais com os EUA como forma de alinhar os interesses comerciais dos dois países.
Agora, apesar de o acordo firmado não incluir a promessa da ajuda militar norte-americana em um eventual cessar-fogo com a Rússia, o líder ucraniano acredita que dar aos EUA um interesse no futuro econômico de seu país pode ter o mesmo efeito.
Além disso, o analista lembra que a escala e a viabilidade dos recursos naturais ucranianos ainda são incertas, com parte dos depósitos localizados em territórios ocupados pela Rússia. Isso significa que qualquer receita significativa está a anos de distância, dependendo de investimentos em infraestrutura e reconstrução.
“Zelensky também pode concluir que um acordo geral cobrindo ativos desconhecidos com receita distante pode não vincular muito Kiev”, observa Briancon, lembrando que antes de começar a explorar as riquezas é preciso reconstruir a Ucrânia, inclusive suas minas e a estrutura de fornecimento de energia.
Outro fator que pode favorecer a Ucrânia é a possibilidade de revisão do acordo no futuro. “Quando as minas estiverem em operação, os EUA podem ter um presidente mais amigável. A Ucrânia poderia então revisar o contrato ou rasgá-lo completamente”, destaca.
A Rússia, por sua vez, já sinalizou desconforto com o acordo. O presidente Vladimir Putin chegou a oferecer aos EUA um acordo mineral próprio, afirmando que seu país tem “significativamente mais recursos desse tipo que a Ucrânia”, segundo o The New York Times.
O pacto EUA-Ucrânia, que pode ser assinado em breve, representa ainda uma mudança significativa na política externa de Washington, com a administração Trump adotando uma abordagem mais transacional e menos focada em alianças tradicionais.
Para alguns, isso contribui para comprometer a imagem norte-americana no cenário internacional, somando-se a outras decisões recentes de Trump, como as que tomou em Gaza. “Muito do dano à credibilidade dos Estados Unidos já está feito”, resumiu Fortna ao The New York Times.
Seja como for, a iniciativa ganhou admiradores. Um deles o presidente da República Democrática do Congo, Felix Tshisekedi, que igualmente sugeriu um acordo pelas riquezas minerais do país em troca de apoio dos EUA contra o grupo rebelde M23, que protagoniza uma guerra civil no país africano.