Ameaça nuclear da Rússia é real e independe do apoio da Otan à Ucrânia, avalia especialista

'A lógica de que a Rússia poderia usar armas nucleares para vencer a guerra como os EUA fizeram em 1945 está ganhando força', diz Samuel Ramani

Nos últimos dias, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) autorizou a Ucrânia a usar as armas fornecidas por seus integrantes para atacar o território da Rússia. De acordo com Samuel Ramani, doutor em relações internacionais e especialista em questões russas, o presidente Vladimir Putin tende a tirar proveito da situação, mas não depende de uma agressão para eventualmente usar seu arsenal nuclear. Uma ameaça que, segundo ele, é cada vez maior.

“Uma suposição popular no Ocidente é a de que o uso de armas nucleares pela Rússia é fundamentalmente reativo. Ataque a Crimeia, o risco aumenta; ataque o território russo propriamente dito, o risco cresce ainda mais”, disse Ramani através da rede social X, antigo Twitter.

Ele, porém, contesta tal avaliação, que diz se basear “em uma interpretação errônea da estratégia nuclear da Rússia.” O especialista cita inclusive os ataques ucranianos que já atingiram a Crimeia sem o governo russo efetivamente responder com suas armas de destruição em massa

Dmitry Medvedev e Vladimir Putin: arsenal nuclear pronto para ser usado (Foto: Kremlin/WikiCommons)

“A decisão da Rússia de usar armas nucleares pode não ter nenhuma relação com o que o Ocidente faz em apoio à Ucrânia”, afirmou o especialista, que enxerga um cenário bem mais simples e igualmente delicado. O que de fato pode motivar uma agressão nuclear, na visão dele, é a perspectiva de derrota.

“A próxima vez que a Rússia considerar seriamente o uso de armas nucleares pode não ocorrer em um momento de crise. Em vez disso, pode ocorrer em um momento de estagnação prolongada nas linhas de frente”, disse. E fez uma projeção pessimista: “A lógica de que a Rússia poderia usar armas nucleares para vencer a guerra como os EUA fizeram em 1945 está ganhando força.”

Inclusive, Ramani diz que o uso de armas nucleares foi debatido em setembro de 2022, conforme as tropas russa perdiam território previamente conquistado em Kharkiv. “Era isso ou o recrutamento em massa”, afirmou. Então, pressionado pelos governos de China e Índia, Putin optou pela segunda opção e iniciou o processo de mobilização que adicionou 300 mil novos combatentes às Forças Armadas.

Hoje, independentemente do apoio da Otan a Kiev, Ramani diz que a ameaça nuclear deve ser levada a sério. Poderia ocorrer, diz ele, “de forma amplamente simbólica”, em um eventual “teste demonstrativo em seu território” ou mesmo em “ataque a uma área escassamente povoada da Ucrânia.”

Ameaças vazias?

O alerta do analista surge junto de novas ameaças vindas do Kremlin. Porta-voz extraoficial de Putin para assuntos nucleares, o ex-presidente Dmitry Medvedev voltou a bravatear no final da semana passada. Segundo a agência Reuters, ele afirmou que “ninguém hoje pode descartar a transição do conflito para a sua fase final.”

Entretanto, Medvedev, hoje vice-presidente do Conselho de Segurança do país, usou justamente o argumento minimizado por Ramani para justificar sua retórica inflamada. “A Rússia considera que todas as armas de longo alcance usadas pela Ucrânia já são controladas diretamente por militares dos países da Otan. Isto não é assistência militar, é participação numa guerra contra nós”, afirmou.

Contestando aqueles que enxergam as frequentes ameaças como vazias, o ex-presidente acrescentou: “Isto, infelizmente, não é intimidação nem blefe.”

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