Denúncia de espionagem contra o TPI gera atrito diplomático entre Holanda e Israel

Embaixador israelense foi chamado para dar explicações a respeito das ações da inteligência de seu país para intimidar a corte

O Ministério das Relações Exteriores da Holanda convocou o embaixador de Israel no país, Modi Ephraim, para dar explicações a respeito das denúncias de que o Estado judeu vinha espionando o Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado na cidade holandesa de Haia. As informações são do jornal The Guardian.

As ações da inteligência israelense foram reveladas em maio pelo próprio jornal britânico, com base em uma investigação realizada em parceria com a publicação israelo-palestina +972 Magazine e o veículo de língua hebraica Local Call.

Dias antes da divulgação da reportagem, a corte havia solicitado a expedição de mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, bem como contra três importantes figuras do grupo extremista Hamas.

As revelações geraram questionamentos de parlamentares holandeses, e o Ministério confirmou que o embaixador “foi solicitado a se reportar em conexão com as alegações.” O caso foi, então, exposto a ele, e “as preocupações da Holanda foram expressas.”

A sede do TPI na cidade holandesa de Haia, em registro de 2016 (Foto: Wikimedia Commons)

O governo holandês tem a responsabilidade de agir devido a um acordo que estabeleceu o pais como sede do TPI, em troca de oferecer proteção à corte e a seus membros. A parlamentar Kati Piri, que tomou a frente nos questionamentos a seu governo, disse que a Holanda tem “uma responsabilidade especial”, que é garantir o funcionamento do tribunal de forma independente e livre de intimidações.

TPI sob pressão do Mossad

A investigação jornalística revelou que Israel teria ameaçado a ex-procuradora-chefe do TPI, Fatou Bensouda, na tentativa de conter a apuração de crimes de guerra e contra a humanidade atribuídos anteriormente ao governo israelense.

Bensouda ocupou o cargo entre 2012 e 2021 e em seu último ano abriu uma investigação contra Israel por sua atuação em Gaza, onde há anos o país é acusado de praticar atos que equivalem a crimes de guerra e contra a humanidade. No entanto, para tocar o processo, ela precisou resistir ao assédio de Yossi Cohen, então diretor do Mossad, principal serviço de espionagem estrangeira israelense.

Cohen teria ameaçado Bensouda em reuniões secretas que ocorreram antes da abertura da investigação há três anos. Um alto funcionário do governo de Israel disse que o país temia já naquela época a emissão de mandados de prisão contra seus militares e decidiu pressionar a corte. Outra fonte ouvida pelo jornal, cuja identidade foi mantida em sigilo, diz que o antigo chefe do Mossad agiu a mando de Netanyahu, que também serviu como premiê entre 2009 e 2021, antes de retornar ao cargo em 2022.

Em conversas com pessoas de confiança dentro do TPI, a ex-procuradora teria dito que a pressão por parte de Israel cresceu com o tempo, atingindo o nível de ameaças. “Você deveria nos ajudar e nos deixar cuidar de você. Você não quer se envolver em coisas que possam comprometer sua segurança ou a de sua família”, teria dito Cohen a Bensouda, conforme relato feito por ela.

Como as táticas pareciam não surtir efeito, o Mossad teria gravado conversas telefônicas do marido da ex-procuradora e as usado para tentar comprometer a atuação dela. Tais ações do governo israelense poderiam se somar aos crimes imputados às autoridades do país, pois configuram “ofensas contra a administração da justiça”, conforme o artigo 70.º do Estatuto de Roma, o tratado que criou o tribunal.

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