Europa reage à ameaça digital dos EUA e investe em independência tecnológica

Temor de um bloqueio nos serviços de nuvem faz União Europeia acelerar planos para reduzir a dependência de gigantes americanas

A volta de Donald Trump ao governo norte-americano acendeu um alerta vermelho em Bruxelas: a Europa pode estar a um decreto presidencial de distância de um colapso digital. O receio de que os EUA possam usar sua influência sobre empresas de tecnologia para interromper o acesso europeu ao sistema digital de nuvem mobiliza governos, parlamentares e especialistas em toda a União Europeia (UE), segundo o site Politico.

O risco de que os serviços digitais europeus sejam desativados por ordem de Trump ganhou força após o episódio envolvendo o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan. Em maio, após a imposição de sanções por Washington, ele teve o acesso ao seu e-mail, hospedado pela Microsoft, bloqueado. Questionada, a empresa disse apenas que “em nenhum momento deixou de fornecer ou suspendeu seus serviços ao TPI”, sem esclarecer os detalhes da interrupção.

O alerta cresceu após o diretor de pesquisa do think tank CERRE, Zach Meyers, apontar a gravidade da situação. “Trump realmente odeia a Europa. Ele acha que o único propósito da UE é ‘prejudicar’ os Estados Unidos”, declarou. “A ideia de que ele possa acionar um botão de desligamento ou fazer algo que prejudique gravemente os interesses econômicos não é tão implausível quanto parecia há seis meses”, acrescentou.

Internet: Trump poderia desconectar a Europa? (Foto: Leon Seibert/Unsplash)

O temor de um bloqueio digital total motivou uma mobilização política. No Parlamento Europeu, o deputado social-democrata alemão Matthias Ecke destacou os riscos: “Não é mais razoável supor que podemos confiar totalmente em nosso parceiro americano. Há um sério risco de que todos os nossos dados sejam usados pela administração dos EUA ou que a infraestrutura se torne inacessível por decisão de outros países”, afirmou, durante um evento realizado em março.

O setor privado também entrou no debate. Alexander Windbichler, CEO da empresa austríaca de computação em nuvem Anexia, afirmou que gostaria que os profissionais de tecnologia tivessem se manifestado antes sobre a dependência europeia em relação aos provedores americanos. “Não sei. Mas nunca esperei que os EUA ameaçassem tomar a Groenlândia. É mais louco do que desligar a nuvem”, declarou, ao ser questionado sobre a possibilidade de Trump ordenar a interrupção dos serviços de nuvem.

Diante desse cenário, iniciativas como o projeto “EuroStack” começaram a ganhar apoio. A proposta, elaborada por especialistas e economistas, prevê um investimento de 300 bilhões de euros para tornar a Europa autossuficiente em infraestrutura digital. O plano defende que a UE adote as diretrizes de “Comprar Europeu”, “Vender Europeu” e “Financiar Europeu”, além de estabelecer um fundo próprio para fortalecer a indústria de tecnologia do bloco.

Empresas americanas também começaram a responder à inquietação europeia. A Microsoft anunciou, em abril, que incluirá uma cláusula contratual vinculativa para garantir a continuidade dos serviços a governos europeus, além de se comprometer a contestar judicialmente qualquer ordem de suspensão. O presidente da empresa, Brad Smith, reconheceu que o risco de um bloqueio ordenado pela administração dos EUA é “extremamente improvável”, mas admitiu que se trata de “uma preocupação real das pessoas em toda a Europa”.

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