Um ataque contra a Rússia por parte de um Estado não nuclear, mas que conte com o apoio de um país com armas nucleares, passará a ser encarado como um “ataque conjunto”. A proposta de mudança na doutrina nuclear, revelada na quarta-feira (25) pelo presidente russo Vladimir Putin, se enquadra no cenário da guerra da Ucrânia e na prática flexibiliza o uso por Moscou de seu arsenal de destruição em massa.
A mudança na doutrina vinha sendo especulada há meses por figuras do governo, e em junho o próprio Putin admitiu que poderia adotar medidas nesse sentido. Ele anunciou as novas regras durante reunião do Conselho de Segurança do país, revelando ainda que elas abraçam também a aliada Belarus.
Até então, a doutrina nuclear russa previa o uso do arsenal de destruição em massa do país somente em resposta a um eventual ataque nos mesmos moldes realizado por outra nação, ou então para reagir a uma situação extrema que colocasse a própria existência do Estado russo em risco.
Segundo o jornal russo Izveztia, ligado ao Kremlin, a nova doutrina nuclear amplia a categoria de Estados, alianças militares e ameaças contra os quais a dissuasão nuclear é autorizada.
“As condições para a transição da Rússia para o uso de armas nucleares também estão claramente definidas”, disse Putin, segundo o Izveztia. “Consideraremos esta possibilidade assim que recebermos informações confiáveis sobre o lançamento massivo de armas de ataque aeroespacial e a travessia da fronteira do nosso Estado. Refiro-me a aeronaves estratégicas e táticas, mísseis de cruzeiro, drones, aeronaves hipersônicas e outras.”
Considerando as novas regras anunciadas por Putin, cria-se um ambiente particularmente tenso na guerra da Ucrânia, país que não tem armas nucleares, mas recebe apoio militar de Estados com arsenais de destruição em massa.
“A mudança massiva na doutrina nuclear não significa necessariamente uma escalada imediata. Em vez disso, serve como um sinal da Rússia para os países ocidentais em resposta a ameaças à segurança do país”, disse a agência estatal de notícias russa Tass.
Ultimamente, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) vem cogitando afrouxar as restrições ao uso de suas armas por Kiev, que pede liberdade para disparar os mísseis fornecidos pelo Ocidente contra o território russo. Argumenta que assim seria capaz de neutralizar a artilharia posicionada longe da região de fronteira.
Em resposta às afirmações de Putin, o chefe de gabinete do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, Andriy Yermak, afirmou que a Rússia “não tem mais nada além de chantagem nuclear para intimidar o mundo”, segundo a rede BBC.
Exercícios e testes nucleares
O anúncio de Putin aumenta o alerta no Ocidente em um momento que já era excessivamente tenso. Antes de anunciar a proposta de mudança em sua doutrina nuclear, Moscou realizou exercícios militares com armas nucleares táticas, algo incomum.
Tais exercícios geralmente envolvem armas nucleares estratégicas, aquelas com alto poder de destruição, como as que os EUA usaram contra Hiroshima e Nagasaki em 1945. Entretanto, em manobras recentes, Moscou usou armas nucleares táticas, menos poderosas e voltadas a neutralizar posições inimigas, sinal de que cogita implantá-las na Ucrânia.
Na semana passada, o chefe das instalações secretas em que a Rússia costumava realizar testes nucleares, contra-almirante Andrei Sinitsyn, disse que o local está pronto para voltar à atividade. Segundo ele, basta o “sim” de Putin para o país retomar as detonações.
Moscou interrompeu os testes nucleares no início dos anos 1990, pouco antes da dissolução da União Soviética. Agora, a retomada dos procedimentos surge como uma alternativa de dissuasão para o Kremlin em meio ao aumento da tensão com o Ocidente.
O país costumava realizar seus testes no arquipélago de Novaya Zemlya, no Oceano Ártico, onde inclusive foi detonada a bomba mais poderosa do mundo em 1961. Embora os experimentos tenham sido interrompidos nas últimas décadas, imagens de satélite registraram recentemente a realização de obras na região.