Reino Unido trata a guerra como possibilidade real e se prepara para enfrentá-la sem os EUA

Nova estratégia militar britânica amplia poder nuclear e prevê sociedade mobilizada, ante à incerteza sobre o apoio de seu maior aliado

“A ameaça que enfrentamos agora é mais séria, mais imediata e mais imprevisível do que em qualquer momento desde a Guerra Fria”. A declaração do primeiro-ministro britânico Keir Starmer, feita na segunda-feira (2) em um estaleiro em Glasgow, na Escócia, marca uma guinada na política de defesa do Reino Unido. Ao anunciar o aumento do investimento militar, o governo mostra que a possibilidade de conflito em larga escala é real e que o país deve se preparar para isso, talvez sem o apoio de seu maior aliado, os EUA. As informações são do jornal The New York Times.

A nova estratégia prevê a construção de até 12 submarinos de ataque, a aquisição de sete mil mísseis de longo alcance e a criação de um novo comando cibernético. Mas vai além do reforço de armamentos. O plano propõe o ensino sobre o papel das Forças Armadas nas escolas, o aumento do número de cadetes e uma legislação que permita ao governo mobilizar reservas militares e requisitar infraestrutura civil em caso de guerra iminente.

O documento foi elaborado sob a liderança de George Robertson, ex-secretário-geral da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), com participação da especialista em Rússia Fiona Hill. Moscou é encarada como a principal ameaça à segurança britânica, como ficou claro na fala de Starmer. Segundo ele, é preciso ficar atento a diversas frentes: a “guerra na Europa, novos riscos nucleares, ataques cibernéticos diários” e a “crescente agressão russa”.

Tropas britânicas na base aérea de Kandahar, em 2014 (Foto: Corporal Andrew Morris (RAF)/Defense Images)

Para além das ameaças externas, a revisão responde também à percepção de que os EUA já não oferecem garantias plenas de proteção à Europa. Desde seu retorno ao poder, o presidente norte-americano Donald Trump tem adotado uma postura ambígua em relação à Otan e demonstrado simpatia por Vladimir Putin, o que acendeu alertas em Londres.

O deputado britânico Mike Martin, veterano das Forças Armadas, usou a rede social X, antigo Twitter, para analisar o novo plano de defesa britãnico. Segundo ele, o projeto “diz muito sobre as suposições que o governo do Reino Unido está fazendo sobre o quanto ele acha que os americanos permanecerão na Europa… e a resposta é: ‘não muito tempo’.”

Uma das decisões simbólicas do plano é a intenção de adquirir jatos com capacidade para armamento nuclear tático. A medida permitiria ao Reino Unido manter poder de dissuasão em situações de conflito escalonado, sem depender da tradicional proteção do arsenal americano.

O investimento militar será financiado, em parte, com a realocação de recursos da ajuda internacional. Starmer promete elevar os gastos com defesa a 2,5% do PIB (produto interno bruto), mas evita fixar uma data para atingir a meta de 3%. Segundo o primeiro-ministro, é preciso garantir primeiro “de onde exatamente virá o dinheiro”.

Mais do que um plano técnico, a nova diretriz marca um reposicionamento político do Reino Unido. A aposta agora é na prontidão total, em uma Europa onde alianças tradicionais parecem menos confiáveis e a dissuasão depende cada vez mais de autonomia — e de preparação interna.

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