Russo é multado por contar na internet que sonhou com o presidente da Ucrânia

Ivan Losev, condenado pela Justiça a pagar 30 mil rublos por relatar o que sonhou, chamou a decisão de "absoluta idiotice"

Um tribunal da cidade russa de Chita, na região da Sibéria, multou um cidadão local porque ele compartilhou no Instagram um sonho que teve e no qual aparecia o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

O indivíduo multado foi identificado como Ivan Losev, e a penalidade foi de 30 mil rublos (R$ 2,53 mil). Ele foi formalmente acusado de “desacreditar as forças armadas” da Rússia e diz que sequer foi convocado para acompanhar a audiência.

A punição, anunciada pela corte na última quinta-feira (8), foi classificada pelo réu como “idiotice”. O post que levou à punição foi feito no dia 23 de setembro, pouco após o presidente Vladimir Putin anunciar a mobilização miliar parcial que teria adicionado cem mil cidadãos às forças armadas do país.

No sonho que descreveu, Losev diz que havia sido convocado para lutar na guerra, sendo posteriormente capturado pelas tropas ucranianas lideradas por Zelensky. Então, quando os presos estavam prontos para serem executados, o presidente reconheceu o homem pelos posts dele no Instagram e o livrou da morte. O sonho, então, termina com os dois fazendo uma selfie juntos.

“Não consigo nem imaginar que um oficial da Agência de Segurança Federal (FSB) de cerca de 40 anos de idade sentou-se e, com uma expressão séria no rosto, digitou uma cópia da minha história sobre como vi Zelensky em meu sonho! É uma absoluta idiotice”, disse Losev.

O líder ucraniano, Volodymyr Zelensky (Foto: Governo da Ucrânia/Divulgação)
Rapper multado

Nesta segunda-feira (12), quem também recebeu uma pena pecuniária da Justiça russa por “desacreditar as forças armadas” foi o rapper Oxxxymiron. Em outubro, o artista havia sido inserido na lista de “agentes estrangeiros” do governo após chamar a guerra de “catástrofe e crime”. Agora, foi condenado a pagar 45 mil rublos (R$ 3,79).

Logo após a invasão, que ocorreu no dia 24 de fevereiro, Oxxxymiron cancelou a turnê que faria pela Rússia, deixou o país e então passou a realizar shows de protesto em lugares como Turquia, Alemanha e Reino Unido. Parte da renda das apresentações no exterior, intituladas “Russos Contra a Guerra”, é dedicada a apoiar vítimas do conflito.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como GeórgiaMongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos. 

Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.

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