Tribunal francês declara autoridades sírias culpadas de crimes contra a humanidade

Três altos dirigentes do regime sírio foram condenados por envolvimento no desaparecimento e morte de Mazzen Dabbagh e seu filho Patrick, ambos franco-sírios residentes em Damasco

Na sexta-feira (24), a justiça francesa condenou à prisão perpétua três altos dirigentes do regime sírio de Bashar al-Assad, que foram julgados à revelia por cumplicidade em crimes contra a humanidade e crimes de guerra, conforme relatou a ONG Human Rights Watch (HRW).

Os condenados são Ali Mamluk, ex-chefe do Escritório de Segurança Nacional, a maior autoridade de inteligência síria; Jamil Hasan: ex-diretor do temido Serviço de Inteligência da Força Aérea; e Abdel Salam Mahmud, chefe da área de investigação desses serviços. Eles estiveram envolvidos na prisão, desaparecimento forçado e tortura de dois cidadãos com dupla nacionalidade sírio-francesa, Patrick Dabbagh e seu pai, Mazzen Dabbagh, em 2013, além do confisco de seus bens.

Pai e filho foram detidos por oficiais ligados aos serviços de inteligência da Força Aérea Síria. Levados ao aeroporto de Mezzeh, um dos piores centros de tortura do regime, não se teve mais notícias sobre eles até serem declarados mortos em agosto de 2018. Segundo a autópsia, Patrick morreu em 21 de janeiro de 2014 e Mazzen em 25 de novembro de 2017.

Mazen Dabbagh (à direita) e seu filho (à esquerda), que, segundo relatos, foram vítimas de assassinato (Foto: redes sociais/Reprodução)

A ação marca o primeiro processo no qual funcionários de alto escalão do regime sírio são julgados e condenados por crimes contra a humanidade. Clémence Bectarte, uma das advogadas das partes civis, celebrou a decisão, enfatizando que “milhões de sírios e sírias continuam esperando por justiça”.

O julgamento no Tribunal Penal de Paris ocorreu à revelia, ou seja, sem a presença do acusado. Embora o direito internacional desencoraje, mas não proíba, os julgamentos à revelia, desde que existam garantias, como o direito de qualquer pessoa condenada à revelia a um novo julgamento completo e justo, caso seja posteriormente detida. A lei francesa prevê esse direito.

Embora outros julgamentos relacionados às atrocidades cometidas pelo regime sírio tenham ocorrido na Europa, especialmente na Alemanha, os acusados eram de níveis inferiores e estavam presentes nas audiências. Nenhum dos réus julgados na França, que teoricamente estavam na Síria, compareceu ao tribunal, sendo julgados à revelia e sem defesa por um advogado.

Durante o julgamento foram apresentados documentos levados por um oficial do governo sírio que fugiu em 2013. Entre eles estão cerca de 54 mil fotografias de cerca de 11 mil vítimas do regime que passaram por diferentes centros de detenção, especialmente na prisão de Mezzeh, onde pai e filho teriam morrido.

As imagens mostram milhares de detidos mortos em detenção, evidências convincentes de tortura generalizada, fome, espancamentos e doenças nos centros de detenção do governo sírio. Além disso, os juízes ouviram depoimentos de investigadores franceses, representantes de uma equipe de investigadores da ONU (Organização das Nações Unidas) e sobreviventes.

A Federação Internacional para os Direitos Humanos, a ONG francesa de direitos humanos, La Ligue des droits de l’homme, e Obeida Dabbagh, parente das vítimas, com o apoio do Centro Sírio para a Mídia e Liberdade de Expressão (SCM), participaram do caso e apresentaram uma queixa às autoridades francesas em 2016.

A HRW manifestou que, passados “mais de 10 anos desde o desaparecimento de Patrick e Mazzen Dabbagh, a sua história sublinha a situação constante de inúmeras outras pessoas que desapareceram de forma semelhante na Síria, e a angústia de entes queridos que continuam a procurar respostas sobre o seu destino”.

“É necessário muito mais para garantir que este ciclo de impunidade seja finalmente quebrado”, acrescentou a ONG.

Segundo a Rede Síria para os Direitos Humanos, ONG que atua em parceria com a ONU (organização das Nações Unidas), 15 mil pessoas foram torturadas até a morte pelo regime de al-Assad durante a guerra civil que persiste até hoje. O conflito matou mais de 230 mil civis, entre eles 30 mil crianças.

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