Este artigo foi publicado originalmente em inglês na revista The Atlantic
*Por Marina Koren
Depois de um dilúvio de chuvas recordes, os cidadãos dos Emirados Árabes Unidos e de Omã estão de volta à normalidade. Porém, as tempestades forçaram o fechamento de escolas, escritórios e empresas, transformaram a pista do aeroporto internacional de Dubai em um mar revolto e mataram mais de 20 pessoas nos dois países. A chuva parecia quase apocalíptica: em um dia, os Emirados Árabes Unidos receberam a quantidade de chuva que normalmente cai em um ano inteiro.
As primeiras informações sobre o evento climático levaram a algumas especulações de que ele foi agravado por uma tecnologia controversa de modificação do clima. A prática, conhecida como semeadura de nuvens, envolve a pulverização de compostos químicos no ar em um esforço para extrair mais chuva do céu. Os Emirados Árabes Unidos realizam centenas dessas operações todos os anos em um esforço para complementar seus recursos hídricos na paisagem árida. O funcionamento exato da semeadura de nuvens é um debate ativo entre os cientistas, mas a técnica não pode produzir nuvens de chuva do nada – ela só pode melhorar o que já existe.
O consenso, por enquanto, parece ser o de que é improvável que a semeadura de nuvens tenha contribuído significativamente para a inundação histórica desta semana. (A agência de meteorologia dos Emirados Árabes Unidos disse que nenhuma missão de semeadura foi realizada antes da tempestade). Mas o evento levanta novamente algumas questões fundamentais sobre a interferência na natureza. A semeadura de nuvens é um tipo de geoengenharia, um conjunto de tecnologias que visa deliberadamente influenciar ou alterar os sistemas climáticos da Terra. Quanto mais quente nosso planeta se torna, mais atraente a geoengenharia parece ser como uma forma de desacelerar ou suportar os efeitos da mudança climática – e menos precisamente podemos prever seus efeitos. Os cientistas não podem ter certeza de que brincar de Deus com a atmosfera não causará sofrimento humano, mesmo que a intenção seja aliviá-lo.
No caso da semeadura de nuvens, os seres humanos têm brincado de Deus há décadas. A técnica remonta à década de 1940 e, desde então, tem sido usada regularmente em todo o mundo para aliviar as regiões secas, limpar o céu antes dos Jogos Olímpicos e dar aos resorts de esqui um centímetro extra de neve. Os cientistas vêm estudando a semeadura de nuvens desde o início, mas só recentemente conseguiram documentar como a técnica pode realmente funcionar, distinguindo entre a precipitação natural e a precipitação resultante da intervenção humana. Os especialistas acreditam que a semeadura pode extrair uma pequena quantidade de precipitação adicional, mas é “notoriamente difícil” determinar o quão bem ela funcionou em um caso específico, disse Janette Lindesay, pesquisadora de nuvens da Universidade de São Paulo.
Os princípios básicos da semeadura de nuvens são simples, disse Lindesay: Se quisermos que chova, liberamos produtos químicos que incentivam as nuvens a produzir gotículas de água maiores, que têm maior probabilidade de atingir o solo. Se quisermos evitar a chuva, usamos produtos químicos que estimulam a criação de gotículas menores. Mas a simplicidade desmente a ciência complicada e os altos riscos de manipular a atmosfera no século XXI. A década de 2020 está sendo definida por uma atmosfera mais quente capaz de reter mais umidade, condições que podem levar a eventos climáticos mais extremos e sem precedentes, incluindo chuvas intensas. Acrescente a geoengenharia e as coisas podem se tornar arriscadas. “Estamos agora em um território em que não podemos necessariamente confiar em experiências e resultados anteriores para nos informar”, disse Lindesay, sobre “o que provavelmente acontecerá quando intervirmos”.
No que diz respeito à geoengenharia, a semeadura de nuvens é uma técnica bastante limitada, com pequenos efeitos confinados a pequenas áreas geográficas. (Isso é parte do argumento contra a semeadura como um fator contribuinte significativo para as inundações desta semana no Oriente Médio; como Amit Katwala apontou na Wired esta semana, partes dos Emirados Árabes Unidos onde a semeadura normalmente não ocorre também sofreram chuvas torrenciais). Mas isso ainda pode ser complicado. Os cientistas continuam a debater se a semeadura de nuvens em uma região pode ter consequências em outra. E em uma época em que as secas estão se tornando mais comuns, a chuva é um bem precioso com importância geopolítica. Nos últimos anos, o Irã acusou os Emirados Árabes Unidos e Israel, que tem seus próprios experimentos de semeadura, de roubar a chuva.
Os relatos de que a semeadura de nuvens causou as enchentes desta semana provavelmente foram errôneos, mas a reação que eles inspiraram “representa um tipo saudável de ceticismo sobre o que acontece quando interferimos nos sistemas naturais”, disse-me Laura Kuhl, professora de políticas públicas da Northeastern University que estuda a adaptação climática. Isso é particularmente verdadeiro, disse ela, quando se consideram as formas de geoengenharia baseadas na produção de efeitos em larga escala. Os cientistas propuseram a injeção de dióxido de enxofre na estratosfera para refletir parte da luz solar de volta ao espaço, impedindo que ela atinja a superfície da Terra. Os aerossóis resultantes poderiam permanecer na estratosfera por anos, mudando de acordo com os caprichos do vento. Preocupações semelhantes cercam outra técnica de geoengenharia que envolve a pulverização de compostos de sal no ar para clarear as nuvens, o que, por sua vez, faria com que a luz do sol retornasse ao espaço. Este mês, os cientistas realizaram um teste secreto dessa tecnologia, o primeiro desse tipo nos Estados Unidos. O campo está “avançando muito mais rápido do que antes”, disse-me Juan Moreno-Cruz, pesquisador de política climática da Universidade de Waterloo.
Após mais pesquisas, algumas técnicas de geoengenharia podem muito bem se tornar formas úteis de mitigar ou se adaptar às mudanças climáticas. Mas elas não podem abordar suas causas principais: a queima de combustíveis fósseis e a incapacidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Muitos especialistas em clima veem a geoengenharia como um último recurso. Como nossa atmosfera em constante mudança continua a encharcar drasticamente algumas partes do planeta e a deixar outras ressecadas por muito tempo, esse último recurso pode começar a parecer uma opção mais atraente – mesmo que as consequências de errar se tornem cada vez mais terríveis.
*Marina Koren é redatora do The Atlantic.