Abusos contra trabalhadores migrantes na Copa do Mundo do Catar ficam impunes

Segundo a Anistia Internacional, há relatos de seguranças que trabalharam 12 horas por dia durante até 38 dias seguidos sem folga

Trabalhadores migrantes contratados como agentes segurança nos estádios da Copa do Mundo do ano passado ainda não tiveram justiça pelos abusos sofridos. Apesar dos alertas e das queixas, a Fifa e o Catar, país anfitrião, não lidaram adequadamente com a questão, disse a ONG Anistia Internacional (AI).

Uma investigação revelou a ocorrência desses abusos, que foram destacados em um relatório da AI em abril de 2022. Os organizadores da Copa do Mundo tinham conhecimento desses problemas, mas não implementaram medidas suficientes para proteger os trabalhadores e evitar abusos nos locais do evento, mesmo após serem informados diretamente pelos prestadores de serviço.

Trabalhadores contratados pela Teyseer Security Services, uma empresa de segurança catari, sofreram danos e abusos durante a Copa 2022. A investigação revelou que eles pagaram taxas ilegais de recrutamento, receberam informações enganosas sobre seus contratos e ficaram sem opções para buscar compensação ao final dos contratos temporários. A Anistia Internacional entrevistou 22 trabalhadores migrantes de diferentes países, que foram contratados pela Teyseer em contratos de curto prazo.

Parte externa do Khalifa International Stadium antes de uma partida válida pela Copa de 2022 (WikiCommons)

Os homens foram contratados para trabalhar no Catar por três meses, a partir de outubro de 2022. Todos eles tiveram que arcar com custos relacionados ao recrutamento para garantir seus empregos, com 16 deles pagando mais de US$ 200 (R$ 960), incluindo quatro que pagaram mais de US$ 600 (R$ 2,8 mil), representando mais de um terço de seus ganhos esperados.

Esses custos incluíam taxas de agência de recrutamento de até US$ 300 (R$ 1,4 mil), exames médicos antes da viagem, testes de Covid-19 e verificações de antecedentes criminais. Cinco dos trabalhadores de Gana e Quênia gastaram entre US$ 85 (R$ 408) e cerca de US$ 250 (R$ 1,2 mil) cada um em custos de viagem e acomodação para participar de um programa de treinamento de duas semanas em seus países de origem, durante o qual não receberam pagamento.

Mais de um terço dos entrevistados, especialmente aqueles que trabalhavam como seguranças, relataram jornadas de trabalho de 12 horas diárias e até 38 dias consecutivos sem folga adequada ou pagamento extra de acordo com a lei do Catar. Suas funções exigiam que ficassem em pé por longos períodos, lidando com grandes multidões após os jogos, sem receber treinamento ou apoio adequados.

Kiran, de 26 anos, do Nepal, que trabalhou como segurança na estação de metrô Souk Waqif, disse: “Foi um trabalho difícil porque a estação de metrô estava sempre cheia de pessoas. Eu tinha que ficar em pé por 10 a 12 horas por dia, apenas apoiando minhas costas nas barricadas. Às vezes, ficávamos com medo porque estava lotado e as pessoas nos pressionavam.”

De acordo com os relatos dos trabalhadores entrevistados, tanto os representantes da Teyseer quanto os agentes de recrutamento associados à empresa fizeram promessas falsas. Eles sugeriram que os trabalhadores poderiam obter promoções para cargos mais altos, ganhar um adicional de US$ 275 (R$ 1,3 mil) por mês, estender sua estadia e trabalho no Catar além do contrato de três meses, ou receber possíveis bônus. No entanto, uma vez no Catar, nada disso se concretizou.

Apesar das denúncias, a Teyseer e a Fifa não tomaram medidas efetivas para abordar os abusos trabalhistas no Catar. O sistema de reclamações exige que os trabalhadores estejam presentes no país, deixando muitos sem acesso à justiça.

De acordo com a AI, esses abusos fazem parte de um padrão maior de danos enfrentados pelos trabalhadores migrantes desde a escolha do Catar como sede da Copa do Mundo. O país árabe e a entidade máxima do futebol precisam estabelecer um mecanismo adequado de reparação. “O atual sistema não é suficiente, deixando milhares de trabalhadores sem compensação pelos abusos sofridos”, disse a ONG.

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