Dois anos após a revolta ‘Mulher, Vida e Liberdade’, a impunidade reina suprema no Irã

Anistia Internacional afirma que não houve investigação adequada sobre as graves violações de direitos humanos cometidas pelas autoridades iranianas durante e após os protestos de 2022

A ONG Anistia Internacional (AI) afirmou na quarta-feira (11) que os iranianos continuam enfrentando as graves consequências da repressão violenta das autoridades ao levante “Mulher, Vida e Liberdade”, enquanto a impunidade para crimes contra o direito internacional persiste. Isso ocorre a poucos dias do segundo aniversário dos protestos que mobilizaram pessoas em todo o Irã contra décadas de opressão e discriminação de gênero.

Segundo manifestação da AI, nenhuma investigação criminal eficaz, imparcial e independente foi realizada sobre as graves violações de direitos humanos e crimes internacionais cometidos pelas autoridades iranianas durante e após os protestos nacionais de setembro a dezembro de 2022. Isso inclui o uso extensivo e ilegal de força e armas de fogo pelas forças de segurança. Essas forças dispararam rifles de assalto, espingardas carregadas com pelotas de metal e latas de gás lacrimogêneo, além de espancarem severamente os manifestantes com cassetetes.

O resultado foi a morte ilegal de centenas de manifestantes e espectadores, incluindo várias crianças, e ferimentos graves em muitos outros. As autoridades também tentaram silenciar os parentes das vítimas, que buscavam justiça, por meio de detenções arbitrárias, acusações injustas, ameaças de morte e outros assédios implacáveis.

Mulheres iranianas usando o hijab na cidade de Shiraz, abril de 2009 (Foto: Ninara/Flickr)

Dois anos depois, as autoridades iranianas intensificaram ainda mais sua repressão aos direitos humanos, travando uma “guerra contra as mulheres e meninas” com uma violência crescente contra aqueles que desafiam as rígidas leis do véu obrigatório e aumentando o uso da pena de morte para silenciar a dissidência.

Diana Eltahawy, Diretora Regional Adjunta da Anistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África, disse que o aniversário da revolta ‘Mulher, Vida e Liberdade’ serve como um lembrete angustiante de que muitas pessoas no Irã ainda estão sofrendo as consequências da repressão brutal das autoridades. “Vítimas, sobreviventes e seus familiares continuam sendo privados da verdade, justiça e reparação por crimes e graves violações de direitos humanos cometidos pelas autoridades iranianas durante e após os protestos”, acrescentou.

Intensificação da “guerra contra as mulheres”

Como parte de sua repressão ao movimento pelos direitos das mulheres, que ganhou força após a morte de Mahsa Amini e a revolta “Mulher, Vida e Liberdade”, as autoridades iranianas lançaram uma nova campanha nacional chamada “Plano Noor” em abril de 2024. Desde então, aumentou visivelmente a presença de patrulhas de segurança a pé, motocicletas, carros e vans da polícia em locais públicos para fazer cumprir a obrigatoriedade do véu.

A repressão também envolveu perseguições perigosas nas estradas para parar mulheres motoristas, confisco em massa de veículos, prisões e penas que incluem açoites e outras formas de tortura e tratamento cruel.

Em 22 de julho de 2024, policiais iranianos dispararam munição letal contra um carro em que Arezou Badri, de 31 anos, estava, deixando-a gravemente ferida. Os policiais estavam tentando confiscar o carro como parte da aplicação das leis de véu obrigatório.

Em agosto de 2024, um vídeo perturbador mostrou agentes agredindo violentamente duas meninas de 14 anos que haviam removido seus véus. Nafas Hajisharif, uma das meninas, relatou: “Eles me puxaram pelos cabelos, gritaram e xingaram. Quando me levaram para a van, me jogaram no chão, uma agente me bateu, colocou o joelho na minha garganta e bateu na minha cabeça, que ficou presa entre os assentos. Eles chutavam a lateral do meu tronco”.

O ataque contra mulheres e meninas que reivindicam seus direitos humanos está sendo conduzido por diversas entidades estatais no Irã. As autoridades envolvidas incluem a Polícia de Segurança Moral, a polícia de trânsito, promotorias, tribunais, o Ministério da Inteligência, a Guarda Revolucionária e suas forças Basij, além de agentes à paisana.

Enquanto isso, o parlamento iraniano está prestes a aprovar um “Projeto de Lei de Apoio à Cultura da Castidade e do Hijab”, que pretende legalizar e intensificar a repressão contra mulheres e meninas que desafiam a obrigatoriedade do véu.

Aumento do uso da pena de morte

Desde a revolta “Mulher, Vida e Liberdade”, as autoridades iranianas aumentaram o uso da pena de morte, resultando no maior número de execuções em oito anos em 2023. A pena de morte tem sido usada como uma ferramenta de opressão para aterrorizar o público, afetando desproporcionalmente a minoria étnica Baluchi.

Desde dezembro de 2022, 10 homens foram executados em conexão com os protestos de setembro a dezembro de 2022, incluindo Reza (Gholamreza) Rasaei, que foi executado em segredo em 6 de agosto de 2024. As execuções seguiram julgamentos extremamente injustos, baseados em “confissões” obtidas sob tortura e maus-tratos, incluindo violência sexual, sem investigação imparcial.

Mais de uma dúzia de pessoas, incluindo Mojahed Kourkouri, ainda enfrentam risco de execução. A escalada inclui a pena de morte para mulheres com acusações politicamente motivadas. Recentemente, a defensora dos direitos humanos Sharifeh Mohammadi e a ativista curda Pakhshan Azizi foram condenadas à morte por “rebelião armada contra o estado” (baghi), apenas por seu ativismo pacífico, após serem torturadas. Pelo menos duas outras mulheres, Wrisha Moradi e Nasim Gholami Simiyari, também foram julgadas por “rebelião armada contra o estado” em casos separados.

A violência sexual como arma

Nos últimos dois anos, as autoridades iranianas continuaram a negar a tortura e outros maus-tratos, incluindo estupro e violência sexual, contra os detidos durante os protestos.

Durante a revolta, as forças de segurança e inteligência do Irã praticaram tortura generalizada e maus-tratos contra manifestantes detidos. Em dezembro de 2023, a Anistia Internacional detalhou o uso angustiante de estupro, incluindo estupro coletivo, e outras formas de violência sexual pelas autoridades iranianas, que buscavam reprimir os protestos e aterrorizar os manifestantes, inclusive crianças de até 12 anos.

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