Beirute enfrenta uma crise silenciosa. Um novo estudo publicado na revista The Lancet revelou que o Líbano registrou o aumento mais acelerado do planeta nas taxas de incidência e mortalidade por câncer entre 1990 e 2023. Segundo a pesquisa, o número de novos casos cresceu 162%, enquanto as mortes subiram 80% no mesmo período. Em 2023, o país registrou 233,5 novos diagnósticos para cada 100 mil habitantes. As informações são do NPR.
De acordo com o professor Ali Mokdad, diretor de Estratégia de Saúde Populacional da Universidade de Washington e coautor do estudo, a combinação de poluição, tabagismo e falhas estruturais no sistema de saúde está alimentando a crise. “Se você olhar para um carro passando, verá fumaça saindo dele, isso é ilegal no Líbano. Mas ninguém fiscaliza”, disse Mokdad, em entrevista à NPR.
O pesquisador explica que Beirute e outras cidades libanesas sofrem com uma poluição constante causada por escapamentos de veículos e geradores a diesel, amplamente usados devido à falta de energia elétrica estável. Além disso, o uso excessivo de produtos químicos na agricultura e o despejo de esgoto em rios contribuem para a contaminação ambiental.

Outro fator crítico é o alto índice de tabagismo. Segundo Mokdad, “não há mais tabu sobre fumar. Todo mundo fuma. Crianças fumam na frente dos pais”. O governo, que participa do comércio de tabaco, não promove campanhas públicas contra o vício nem proíbe o fumo em locais fechados. Como consequência, os casos de câncer de pulmão dispararam, acompanhados por aumentos em leucemia e cânceres de pâncreas, fígado, cólon e mama.
Embora exames preventivos estejam disponíveis no país, a falta de informação sobre a importância do rastreamento impede diagnósticos precoces. “A educação em saúde é um problema”, afirma Mokdad. “Se o câncer fosse detectado mais cedo, as pessoas não precisariam morrer”.
A gravidade da situação levou parlamentares libaneses a convocarem Mokdad para apresentar suas descobertas e propor soluções. Durante reunião em Beirute, ele recomendou a criação de programas de detecção precoce, a proibição do fumo em locais públicos e campanhas nacionais de conscientização. O exemplo citado foi uma iniciativa dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, que evitou mais de 129 mil mortes prematuras entre 2012 e 2018.
A deputada e médica Inaya Ezzeddine reconheceu a urgência do problema, mas destacou que a resposta será lenta. “É uma jornada. Não é algo que possamos implementar da noite para o dia, porque envolve muitos setores. Temos que trabalhar duro para alcançar essa vontade política”, afirmou. Um comitê será criado para avaliar os dados e propor novas leis de prevenção e controle.
O professor Iman Nuwayhid, da Universidade Americana de Beirute, ressalta que também é responsabilidade dos cidadãos agir. “Temos que tornar nosso país mais limpo, reduzir a poluição e melhorar o meio ambiente. O governo tem um papel maior, mas as comunidades locais precisam se mobilizar”.
Para Mokdad, o momento de agir é agora. “O câncer está matando. E a minha pergunta é: o que vocês estão fazendo a respeito?”, questiona.
Enquanto o debate acontece, a realidade segue dura nas ruas de Beirute. Najah Mourda, de 57 anos, fuma um cigarro durante o almoço com o filho e confessa ter medo. Ela já perdeu a mãe, a irmã e uma amiga próxima para o câncer. “É muito perigoso e tenho medo”, diz. O filho, Marwan Bizri, completa: “Os libaneses estão morrendo de câncer. Estamos perdendo pessoas que amamos”.