Nova pandemia à vista? Cientistas monitoram a gripe aviária

Especialistas que acompanham a disseminação da doença estão cada vez mais inquietos com a possibilidade de falhas na vigilância

Pesquisadores que monitoram a gripe aviária alertam para falhas na vigilância que podem deixar o mundo vulnerável a uma nova pandemia, revelou a agência Reuters após entrevistar mais de uma dezena de especialistas renomados.

Desde 2020, muitos deles têm acompanhado o subtipo H5N1 em aves migratórias. Recentemente, a propagação do vírus para 129 rebanhos leiteiros em 12 estados americanos marca uma mudança preocupante, aproximando o vírus da capacidade de transmissão entre humanos. Além disso, infecções foram identificadas em vários mamíferos, incluindo alpacas e gatos domésticos.

Scott Hensley, professor de microbiologia da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, descreveu a situação como uma “pandemia em câmera lenta”, destacando que, embora a ameaça atual seja baixa, isso pode mudar rapidamente. Ele enfatizou a importância de “uma detecção precoce da transmissão para humanos”, permitindo que autoridades de saúde iniciem rapidamente o desenvolvimento de vacinas, testes em larga escala e medidas de contenção.

Autoridade em saúde inspeciona aviário no Japão (Foto: WikiCommons)

O atual método da vigilância federal sobre vacas leiteiras nos EUA se limita a testar os rebanhos antes de cruzarem as fronteiras estaduais. Esforços de teste estaduais são inconsistentes, e a testagem de pessoas expostas ao gado doente é rara, relataram autoridades de saúde e especialistas em gripe pandêmica.

Ron Fouchier, virologista do Centro Médico Erasmus em Roterdã, na Holanda, sublinhou a necessidade de identificar fazendas infectadas, determinar quantas vacas são positivas, bem como “entender a propagação do vírus, a duração da infecciosidade das vacas e a rota de transmissão”.

Jeanne Marrazzo, diretora do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, criticou a vigilância “extremamente limitada” da gripe em humanos pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, descrevendo-a como um sistema passivo de relato. Ela também mencionou que o Departamento de Agricultura dos EUA é mais ativo na testagem de vacas, mas não divulga publicamente os casos afetados.

Diversos especialistas observaram que as abordagens distintas adotadas pelas agências de saúde animal e humana podem complicar a resposta rápida a crises. Gigi Gronvall, especialista em biossegurança do Centro para Segurança da Saúde da Johns Hopkins, sugeriu que um sistema ideal projetado do zero incluiria uma agência unificada. Ela destacou que problemas originados no ambiente ou em animais frequentemente impactam a saúde humana, citando isso como um exemplo.

Casos

Nos Estados Unidos, três pessoas testaram positivo para gripe aviária H5N1 desde o final de março após contato com vacas, apresentando sintomas leves. Enquanto isso, no México, um caso isolado envolvendo uma cepa H5 diferente, nunca antes vista em humanos e sem conexão conhecida com animais, foi confirmado. Relatos adicionais de infecções surgiram na Índia, China e Austrália, envolvendo variantes diversas do vírus.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reitera que o risco de transmissão do H5N1 entre humanos é considerado baixo, com base na atual falta de evidências. No entanto, estão disponíveis recursos limitados, como vacinas específicas e medicamentos antivirais como o Tamiflu, para uma eventual mudança nesse cenário.

Alguns países, como os Estados Unidos e nações europeias, estão garantindo doses de vacina contra a gripe “pré-pandêmica” para grupos de alto risco, incluindo trabalhadores de fazendas e laboratórios. A Finlândia planeja ser pioneira na vacinação de trabalhadores de fazendas de peles e aves, assim como profissionais envolvidos na saúde animal.

Todos os especialistas ouvidos concordaram com a importância de encontrar um equilíbrio entre ação rápida para mitigar uma ameaça e evitar uma resposta exagerada. Wendy Barclay, virologista do Imperial College de Londres e consultora da Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido para a gripe aviária, mencionou a necessidade de “transmitir um sinal de cautela sem exagerar ao sugerir que o cenário é catastrófico”.

A doença

A gripe aviária é uma doença viral que afeta aves, principalmente aves aquáticas como patos e gansos. É causada por diferentes subtipos do vírus da influenza, incluindo os subtipos H5, H7 e H9.

A gripe aviária pode variar em gravidade, desde formas leves com sintomas respiratórios leves até formas altamente patogênicas que causam doenças graves e até mesmo a morte das aves afetadas. Alguns subtipos do vírus têm o potencial de infectar seres humanos, embora isso ocorra raramente.

A transmissão geralmente ocorre por contato direto com aves infectadas, principalmente através do contato com secreções respiratórias, fezes ou superfícies contaminadas. A doença pode se espalhar rapidamente em populações de aves confinadas, como em fazendas avícolas ou mercados de aves vivas.

A doença tem sido motivo de preocupação em saúde pública devido à possibilidade de o vírus sofrer mutações e se tornar mais facilmente transmissível entre humanos, o que poderia levar a uma pandemia. No entanto, a transmissão eficiente do vírus da gripe aviária de aves para humanos ainda é rara.

As autoridades de saúde em todo o mundo monitoram de perto a gripe aviária e implementam medidas de vigilância, prevenção e controle para minimizar o risco de transmissão para humanos. Isso inclui a implementação de protocolos de biossegurança em fazendas avícolas, restrições ao comércio de aves, monitoramento de surtos em aves selvagens e programas de vacinação em aves domesticadas, quando apropriado.

Embora os humanos possam contrair a gripe aviária, os casos permanecem muito raros e as autoridades de saúde globais disseram que o risco é baixo.

Surtos passados

Quase uma década atrás, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) emitiu um alerta urgente sobre um surto no Sudeste Asiático de uma cepa de gripe aviária chamada H5N6.

Em 2015, a FAO novamente alertou sobre um surto perigoso da cepa H5N1 altamente virulenta, que se espalhou para cinco países da África Ocidental em seis meses. A agência apelou por US $ 20 milhões em fundos de emergência “para detê-lo em suas trilhas” antes que afetasse os seres humanos.

Na época, a FAO disse que a cepa H5N1 causou a morte de dezenas de milhões de aves e perdas de dezenas de bilhões de dólares.

Desde então, a agência tem trabalhado para melhorar os sistemas veterinários e as capacidades dos laboratórios locais. Até 2018, a FAO treinou 4,7 mil veterinários, que trabalharam para proteger animais de fazenda contra vírus mortais em 25 países da África, Ásia e Oriente Médio.

No Camboja, um surto de H5N1 em 2003 afetou, pela primeira vez, aves selvagens. Desde então, e até 2014, casos humanos devido à transmissão de aves para humanos foram relatados esporadicamente no país.

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