Após um ano de operação, rebeldes rejeitam acordo e projetam a queda da junta em Mianmar

Tríplice Aliança deu início aos ataques contra forças do governo em 27 de outubro de 2023 e desde então obteve importantes avanços

A coalizão rebelde que desafia as forças da junta militar que governa Mianmar promete manter as operações paramilitares até que o regime seja derrubado. A Tríplice Aliança, como é conhecida, se manifestou nesta semana, após completar mais de um ano de combate contra as Forças Armadas regulares. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

A Tríplice Aliança é formada pelo Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA), o Exército Arakan e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang (TNLA).  Lway Yay Oo, porta-voz deste último, afirmou que o objetivo da coalizão é “tentar formar um governo revolucionário interino junto com o povo em 2025”.

Os rebeldes iniciaram a Operação 1027 no dia 27 de outubro de 2023, o que deu nome à ofensiva. Somente na primeira fase da ofensiva, que se estendeu até janeiro deste ano, eles dizem ter conquistado 16 municípios no estado de Shan, no norte do país. Após um hiato, retomaram as ações em junho e obtiveram novas vitórias relevantes, assumindo o controle da cidade de Lashio, importante base dos militares.

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta em Mianmar desde o golpe de Estado (Foto: WikiCommons)

O aumento da violência tem gerado frequentes manifestações de governos estrangeiros e organismos intergovernamentais. A ONU (Organização das Nações Unidas), por exemplo, enviou uma representante a Mianmar, Julie Bishop, que nesta semana conversou com os dois lados e pediu o fim dos combates, de acordo com a agência Reuters.

“Visitei Naypyitaw e me encontrei com o general sênior Min Aung Hlaing e retornarei”, disse ela, citando o chefe da junta militar, sem dar mais detalhes sobre os desdobramentos da reunião. Ela também se reuniu com representantes do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), que estabeleceu um regime paralelo em oposição à junta.

“Meu objetivo é entender as perspectivas diferentes e muitas vezes conflitantes para que, por meio da minha função, eu possa incentivar uma maior coordenação com os esforços regionais e globais para facilitar uma solução acordada”, disse Bishop. “Os atores de Mianmar devem ir além da atual mentalidade de soma zero. Pode haver pouco progresso em atender às necessidades do povo enquanto o conflito armado continua pelo país.”

A coalizão, entretanto, não vê um acordo como viável e promete seguir lutando até derrotar os militares. Aung Kyaw Myo Thant, comandante de um destacamento que se juntou ao Exército Arakan, diz que a confiança dos rebeldes em uma vitória se deve à experiência acumulada neste ano de combates.

“Adquirimos conhecimento sobre o quanto precisamos fortalecer nossas capacidades para derrubar o inimigo e como devemos construir nossa força”, disse ele. “No passado, não podíamos lutar efetivamente em nossa área. Agora, essas experiências nos guiaram em como ocupar mais território.”

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

Tags: