Mais de cem pessoas foram condenadas à morte em Yangon após golpe em Mianmar

Julgamentos ocorrem sem direito a defesa pelos réus, muitas vezes em tribunais militares secretos e com relatos de tortura

A junta militar que governa Mianmar desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021 condenou 101 pessoas à morte na região de Yangon. Os casos foram documentados pela rede Radio Free Asia e englobam todo o período em que os militares ocupam o poder.

Nos julgamentos em questão, 50 foram realizados em cortes militares secretas, sem que os réus tivessem acesso a um advogado. Os demais foram julgados às revelia. São essencialmente pessoas da região de Yangon, onde o Estado declarou lei marcial por se tratar do principal foco de resistência aos militares no país.

Entre os condenados está Phyo Zeyar Thaw, parlamentar do partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês), e o ativista Ko Jimmy, líder de um popular grupo estudantil do país, o 88 Generation Students (Estudantes da Geração 88, em tradução literal). Eles são acusados de violar a lei antiterrorismo.

“Ambos receberam sentenças máximas. Ao olhar atentamente para as fotos [divulgadas pela junta] dos dois, podemos supor que foram severamente torturados no interrogatório. Prender e torturar pessoas a qualquer hora, em qualquer lugar, é uma ameaça à civilização”, disse Bo Bo Oo, outro parlamentar pelo NLD. “Podemos dizer que são dois dos piores casos de prisões arbitrárias e tortura de civis no país desde o golpe”.

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta no poder em Mianmar desde o golpe de Estado (Foto: Wikimedia Commons)

Segundo Aung Myo Min, ministra de direitos humanos do movimento de resistência autodenominado Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), as sentenças de morte são “graves violações dos direitos humanos”. Naing Htoo Aung, ministro da Defesa do NUG, chamou as sentenças de “inaceitáveis” e contestou sua legitimidade. “O povo de Mianmar e o mundo inteiro entendem a verdadeira situação”, disse ele. “Todo o processo [jurídico] é injusto”.

Um advogado do tribunal superior de Yangon, que não quis se identificar, fez a mesma avaliação. “O Judiciário não tem justiça nem independência. Então, não vou dizer que os vereditos estão certos”, disse. “Não houve execuções desde o golpe militar de 1988. A junta está tentando intimidar a população”.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo já causou a morte de ao menos 1,5 mil desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, uma reação dos militares às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a presidente eleita Aung San Suu Kyi.

O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. Centenas de pessoas foram presas sem indiciamento ou julgamento prévio, e muitas famílias continuam à procura de parentes desaparecidos. Jornalistas e ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido interrompidos.

No início de dezembro, tropas da junta militar foram acusadas de assassinar 11 pessoas em uma aldeia no noroeste do país. De acordo com uma testemunha, as vítimas, algumas delas adolescentes, teriam sido amarradas e queimadas na rua. Fotos e um vídeo chocantes que viralizaram por meio de redes sociais à época mostravam corpos carbonizados deitados em círculo no vilarejo de Done Taw, na região de Sagaing.

A ação dos soldados seria uma retaliação a um ataque de rebeldes contra um comboio militar. Uma liderança local da oposição afirmou que os civis foram queimados vivos, evidenciando a brutalidade da repressão à população que tenta resistir ao golpe de Estado orquestrado em fevereiro deste ano.

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