O governo militar do Sudão apresentou à Rússia uma proposta de 25 anos para a construção de uma base naval no Mar Vermelho, iniciativa que daria a Moscou sua primeira instalação militar na África e ampliaria sua presença em uma rota estratégica do comércio global. O acordo, caso confirmado, preocupa Estados Unidos e Europa, que tentam conter a expansão militar de Rússia e China em portos africanos usados para reabastecimento e apoio a operações navais. As informações são do Washington Post.
Segundo autoridades sudanesas, a proposta permitiria que a Rússia estacionasse até 300 militares e atracasse até quatro navios de guerra, incluindo embarcações de propulsão nuclear, em Porto Sudão ou em outra instalação ainda não oficialmente definida. Em troca, o regime sudanês, pressionado pela guerra civil contra as Forças de Apoio Rápido (RSF, da sigla em inglês), receberia sistemas antiaéreos avançados e armamentos a preços reduzidos.

A partir da costa sudanesa, Moscou teria acesso privilegiado para monitorar o tráfego marítimo que cruza o Canal de Suez, rota responsável por cerca de 12% de todo o comércio global. A base também ampliaria a capacidade russa de operar por longos períodos no Mediterrâneo e no Oceano Índico, reduzindo sua dependência de portos de águas quentes.
Para analistas de defesa, a presença russa no Mar Vermelho representa um ponto de inflexão na geopolítica africana. Os Estados Unidos acompanham de perto o avanço militar de Rússia e China no continente, sobretudo após Beijing inaugurar, em 2017, sua primeira base naval no exterior em Djibuti, a poucos quilômetros do principal posto avançado dos EUA na África.
A aproximação entre Sudão e Rússia ocorre em meio a uma guerra interna que já matou cerca de 150 mil pessoas e deslocou mais de 12 milhões desde 2023. O conflito, motivado pela disputa de poder entre o general Abdel Fattah al-Burhan e o general Muhammad Hamdan Dagalo, abriu espaço para que potências globais projetem influência militar e econômica no país.
Atualmente, tropas russas e grupos mercenários aliados ao Kremlin operam em várias regiões africanas. Moscou busca acesso permanente a Porto Sudão há cinco anos, enquanto tenta reconstruir sua influência no continente após a queda do Wagner Group. Para especialistas, um acordo naval representaria um avanço significativo para o presidente Vladimir Putin.
As autoridades sudanesas, porém, evitam sinalizar publicamente a assinatura final do pacto, temendo repercussões diplomáticas com Estados Unidos e União Europeia. Ainda assim, a pressão crescente no campo de batalha pode levar Cartum a acelerar a decisão.
Por que isso importa?
O Sudão vive um violento conflito civil que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.
As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.
Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.
Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões, cerca de dez milhões de pessoas foram deslocadas dentro do país, com mais de dois milhões forçadas a cruzar as fronteiras para o exterior. A crise maciça deixou 25 milhões de pessoas necessitando de ajuda humanitária e proteção.
A terrível situação é agravada por uma grave escassez de suprimentos essenciais, já que as entregas de produtos comerciais e de ajuda humanitária foram fortemente restringidas pelos combates e pelos desafios de acesso ao território controlado pelas RSF.