Incêndio em Hong Kong expõe rede de corrupção e falhas de segurança que ameaçam milhares

Tragédia que matou ao menos 156 pessoas revela suspeitas de conluio, uso de materiais inflamáveis e fiscalização falha em reformas públicas

O incêndio mortal em Hong Kong, que provocou 156 mortes em um prédio residencial em novembro, desencadeou uma onda de indignação pública e levantou novas suspeitas sobre corrupção sistêmica no setor de construção e sobre a fragilidade da fiscalização governamental. As informações são da Associated Press.

Autoridades já prenderam 14 pessoas, entre subempreiteiros, diretores de construtoras e consultores, suspeitas de homicídio culposo, negligência grave e manipulação de licitações em um projeto multimilionário de reforma no complexo Wang Fuk Court, onde o fogo começou.

Equipes de resgate atuam no incêndio do Wang Fuk Court, em novembro de 2025 (Foto: WikiCommons)

Para especialistas, o episódio vai muito além de um acidente isolado: pode revelar um problema estrutural que coloca em risco milhares de moradores da cidade.

“Isso é apenas a ponta do iceberg”, afirma o empreiteiro e ativista Jason Poon, que há anos denuncia irregularidades na construção civil em Hong Kong.

Série de falhas acelerou a tragédia

Investigações preliminares apontam que o incêndio se espalhou rapidamente por sete das oito torres do complexo devido a painéis de espuma altamente inflamáveis usados para vedar janelas e à presença de redes de proteção de baixa qualidade. Fortes ventos contribuíram para que o fogo avançasse de forma descontrolada.

Para agravar o cenário, moradores relataram que alguns alarmes de incêndio não dispararam.

As autoridades confirmaram que sete das 20 amostras adicionais de material coletadas após o desastre não atendiam aos padrões mínimos de segurança.

Fiscalização sob pressão

Documentos analisados pela AP mostram que moradores já haviam alertado o governo sobre os riscos associados às redes de proteção e a outros materiais utilizados na reforma. Apesar disso, o Departamento do Trabalho havia certificado o produto como “em conformidade” após ao menos 16 inspeções, incluindo uma realizada apenas uma semana antes do incêndio.

Para analistas, a desconfiança pública agora se concentra menos nos materiais e mais na falta de supervisão eficaz.

A cidade suspendeu imediatamente 28 projetos de reforma conduzidos pela mesma construtora, e empreiteiros começaram a remover materiais inflamáveis de outras obras.

Impacto político cresce a uma semana das eleições

O desastre ocorre às vésperas das eleições para o Conselho Legislativo, em 7 de dezembro. Pesquisadores apontam que a tragédia pode influenciar a participação, vista por Beijing como termômetro do apoio ao sistema “somente para patriotas”.

O chefe do Executivo, John Lee, anunciou a criação de uma comissão independente liderada por um juiz, mas evitou responder se deveria renunciar.

Enquanto isso, autoridades locais e o gabinete de segurança nacional intensificaram o discurso contra qualquer crítica que considere “incitar ódio” ao governo. O organizador de uma petição pedindo responsabilização oficial já foi preso.

Risco de novas tragédias preocupa especialistas

Para o professor Steve Tsang, do Instituto da China da SOAS, a pergunta central agora é: “O que aconteceu no Wang Fuk Court pode acontecer em outros lugares?”.

Com denúncias de redes de proteção baratas, cadeias complexas de subcontratação e suspeitas de conluio entre empreiteiras, muitos acreditam que o risco é real. E crescente.

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