Rússia ameaça expulsar embaixadores que criticaram dura sentença imposta a dissidente

Embaixadores de EUA, Canadá e Reino Unido apareceram juntos na saída do tribunal e criticaram a prisão de Vladimir Kara-Murza

Moscou não reagiu nada bem às críticas internacionais recebidas em função da dura sentença de prisão imposta ao político e jornalista russo Vladimir Kara-Murza, crítico feroz do presidente Vladimir Putin e da guerra da Ucrânia. O governo russo ameaçou expulsar do país os embaixadores que se colocaram contra a decisão judicial, segundo informou a agência Reuters.

Kara-Murza foi julgado e condenado a 25 anos de prisão por “crimes” diversos. O que rendeu maior pena foi de “traição”, com sentença de 18 anos de prisão. Ele pegou ainda sete anos por divulgar “informações falsas” sobre as forças armadas e três anos por participar de atividades de uma “organização indesejável”. Embora a pena somada seja de 28 anos, foi aplicada a de 25 anos, que é a máxima permitida.

Após o veredito, que gerou repercussão internacional, os embaixadores dos EUA, do Canadá e do Reino Unido na Rússia apareceram juntos na televisão, do lado de fora do tribunal onde o dissidente foi julgado, e contestaram a sentença, exigindo ainda a libertação do réu.

Kara-Murza em audiência em Washington, 2015 (Foto: U.S. Helsinki Commission/Smith Christopher)

A embaixadora britânica Deborah Bronnert chegou a fazer sua análise em russo, para que o material fosse exibido nas emissoras de televisão locais. Já o governo britânico, que chegou a sancionar em 2020 um juiz ligado a outro julgamento contra Kara-Murza, convocou o embaixador russo para protestar.

O Kremlin reagiu. “É uma interferência direta nos assuntos internos da Rússia”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Maria Zakharova, acrescentando que a ação dos diplomatas é uma tentativa de pressionar o judiciário russo. “Traidores que são aplaudidos no Ocidente terão o que merecem”, completou.

Zakharova também contra-atacou, dizendo que as mesmas nações que agora se posicionam contra a pena são responsáveis por inúmeras violações dos direitos humanos. E classificou Kara-Murza como um “agente de influência do Ocidente”.

Depois veio a ameaça. “Quaisquer ações dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá destinadas a incitar discórdia e inimizade em nossa sociedade serão tratadas da maneira mais decisiva, e os diplomatas envolvidos neste trabalho subversivo serão expulsos da Rússia”, declarou.

Para os aliados de Putin, a prisão de Kara-Murza foi justa porque eles acusam o político de colaborar com o Washington na imposição de sanções econômicas à Rússia.

Repercussão internacional

Não foram apenas os três embaixadores que se manifestaram. O Departamento de Estado norte-americano divulgou um comunicado no qual “condena a sentença de Vladimir Kara-Murza de 25 anos de prisão por se manifestar contra a guerra de agressão do governo russo contra a Ucrânia”. O texto diz ainda que o jornalista “é mais um alvo da crescente campanha de repressão do governo russo”.

O comunicado também cita outras vítimas da repressão estatal, entre elas Alexei Navalny, condenadas por se “posicionarem corajosamente pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais”.

A ONG Anistia Internacional também se manifestou. “A sentença de prisão de 25 anos de Vladimir Kara-Murza é mais um exemplo assustador da repressão sistemática da sociedade civil, que se ampliou e se acelerou sob o Kremlin desde a invasão russa da Ucrânia no ano passado”, disse Natália Zviagin, diretora da entidade para a Rússia, classificando como “atos de bravura” o que a justiça russo tratou como crimes.

Já o Ministério das Relações Exteriores da França saudou “a coragem de mulheres e homens como Vladimir Kara-Murza, Alexei Navalny e tantos outros que defendem a liberdade de expressão e opinião apesar dos riscos envolvidos”, segundo a rede CNN.

Por sua vez, o Ministério das Relações Exteriores da Áustria usou o Twitter para condenar a decisão. “A Áustria está profundamente alarmada com a deterioração da situação dos direitos humanos na Rússia. Condenamos veementemente a sentença de 25 anos de motivação política de @vkaramurza e pedimos sua libertação imediata e incondicional. A repressão da sociedade civil russa deve parar”.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro de 2022, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 22 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como GeórgiaMongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos. 

Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.

Desde o início da guerra, a ONG reporta mais de 19,5 mil detenções em protestos contra a guerra em todo o país, com 500 pessoas levadas ao tribunal para responder criminalmente por seus atos. A enorme maioria dos casos, cerca de 15 mil, foi registrada no primeiro mês de guerra. Depois, houve um pico entre setembro e outubro, devido ao recrutamento. Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foram registradas somente 22 detenções, um sinal de que a repressão estatal tem funcionado.

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