O tradicional roteiro dos golpes de Estado na África está caindo em desuso. Em vez da invasão de veículos de imprensa e do Palácio Presidencial, seguida pela prisão dos governantes com auxílio dos militares, é cada vez mais comum a mudança constitucional que estende o número de mandatos.
Com um número cada vez mais flexível de períodos no poder, o mandatário então respeita o calendário eleitoral. Na sequência, inicia a sistemática perseguição à oposição, que na prática elimina sua possibilidade de exercer e vence o pleito de forma contestada, mas garantida.
A consequência é o enfraquecimento da governança dos países do continente, argumentam os pesquisadores Candace Cook e Joseph Siegle, do Africa Center for Strategic Studies, em Washington (EUA).
Determinar um número de mandatos foi a saída encontrada pela maioria dos países que buscavam aprimoramento institucional, em reformas iniciadas nos anos 1990. A meta é diminuir o poder concentrado no Executivo, permitindo a formação gradual de um sistema democrático.
Dirigentes de Níger, Benin, Uganda, Burkina Faso, Gana e República Centro-Africana estão entre os que poderão mostrar sua adesão – ou falta dela – às regras de transição de poder em seus países nos próximos meses.
Tanzânia, cuja eleição ocorreu na última quarta (28), e Costa do Marfim, que foi às urnas neste sábado (31), são dois exemplos de nações cujos mandatários, Alassane Ouattara e John Magufuli, respectivamente, aderiram à tática do “tapetão constitucional”.
A estratégia é velha conhecida dos eleitores latino-americanos, sobretudo na sequência de períodos de vasta expansão econômica combinada à alta popularidade presidencial.
O que mudou
O especialista John Campbell, do CFR (Council of Foreign Relations) lembrou do comentário de Umaro Sissoco Embaló, presidente da lusófona Guiné-Bissau, em reunião da Ecowas (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) em 20 de agosto.
Ali, Embaló criticou o órgão por condenar o golpe no Mali, mas ignorar as manobras constitucionais de seus colegas da Costa do Marfim, Ouattara, e da Guiné, Alpha Condé, para garantir o terceiro mandato.
“Também são golpes de Estado”, afirmou. A asserção foi recebida com silêncio e um sorriso pelo nigeriano Mohammad Buhari, segundo o portal Jeune Afrique, especializado na cobertura da África francófona.
Os pesquisadores também observaram que há maior adesão às regras no número de mandatos em países do sul e do oeste africanos. Já presidentes no norte, no Chifre da África e na região central do continente respeitaram as normas com menor frequência.
Além das rupturas constitucionais, há casos de nações que convivem por décadas com o mesmo presidente ou seus parentes. É o caso do Gabão e do Togo, sob as “dinastias” Bongo e Gnassingbé, respectivamente, há 53 anos. Na Guiné Equatorial, o “presidente” é Teodoro Obiang há 41 anos.
Referendos e reformas
Nos últimos cinco anos, 13 líderes africanos aumentaram o número de mandatos, removeram limitações quanto ao tempo no cargo ou tentaram passar por cima da regra existente. Em um deles, o Benin, um referendo em 2017 manteve a norma anterior de dois mandatos.
Patrice Talon, presidente do Benin, submeteu a referendo uma proposta de apenas um mandato de seis anos, que foi rejeitada em 2017. Conduzido ao cargo no ano anterior durante uma transição tranquila, Talon pode em tese concorrer à reeleição em 2021.
Outros três aceitaram a regra do jogo e deixaram o poder. Entre eles estão Hifikepunye Pohamba, que ocupou a Presidência da Namíbia entre 2005 e 2015), Ellen Johnson Sirleaf, presidente da Libéria de 2006 a 2018, e Mohammed Ould Abdelaziz, da Mauritânia, no cargo entre 2009 e 2019.
Nos três casos, foi a primeira vez que a liderança deixou o poder de forma pacífica ao final do período previsto. No total, 21 os países que têm mantido as garantias de que haverá alternância no comando. Entre eles, também há Senegal e Ilhas Seychelles.
Também há casos de nações que criaram dispositivos de transição presidencial mediante consulta à população, por meio de referendo constitucional. República Centro-Africana e Burkina Faso, dois dos países mais pobres e violentos do mundo.