Após nova medida autoritária do presidente, juízes convocam greve na Tunísia

Presidente Kais Saied dissolveu o Conselho Judicial Supremo, principal órgão fiscalizador do poder judiciário nacional

A Associação dos Juízes da Tunísia convocou uma greve de dois dias em todas as cortes do país para protestar contra a decisão do presidente Kais Saied de dissolver o Conselho Judicial Supremo, principal órgão fiscalizador do poder judiciário nacional. As informações são da agência catari Al Jazeera.

Esta foi a mais recente de uma série de medidas autoritárias impostas pelo líder tunisiano, que em julho do ano passado concentrou em suas mãos poderes extraordinários para dirigir o país, após declarar estado de emergência, congelar o parlamento e destituir o governo.

“O Judiciário é uma linha vermelha que não pode ser cruzada”, disse Anas Hamadi, presidente da Associação de Juízes da Tunísia. “Vamos defender nosso poder judiciário e nossa democracia”.

A greve, que começou nesta quarta-feira (9), será concluída com um protesto em frente ao prédio do Conselho, que foi fechado pela polícia na segunda-feira (7), com os funcionários do local impedidos de trabalhar.

O presidente da Tunísia, Kais Saied (Foto: Wikimedia Commons)

Os membros do Judiciário alegam que têm trabalhado em um clima de constante intimidação. O presidente do Conselho, Youssef Bouzakher, diz que se sentiu ameaçado quando o Ministério do Interior informou que havia sérias preocupações com a segurança dele.

“Infelizmente, a situação é muito séria, e [Saied] não está dando nenhuma resposta”, disse Hamadi. “Ele claramente pretende colocar as mãos no sistema de justiça para poder atacar qualquer um que se oponha às suas decisões”.

O presidente afirmou nesta segunda (7) que “nunca interferiria no judiciário”, mas que foi obrigado dissolver o Conselho pois os tunisianos queriam que o país fosse “limpo”. O órgão é há tempos um alvo de Saied, que acusa os membros de bloquearem investigações sobre os assassinatos em 2013 de duas figuras políticas de esquerda, Chokri Belaid e Mohamed Brahmi.

Detenções arbitrárias

Em janeiro, a ONU (Organização das Nações Unidas) manifestou sérias preocupações com a deterioração dos direitos humanos na Tunísia, após a prisão de Noureddine Bhiri, ex-ministro da Justiça da Tunísia. Ele foi detido por um homem vestindo trajes civis quando saía de casa, sem mandado nem explicação oficial para a prisão. Durante horas, família e advogados não sabiam do paradeiro do político. 

Bhiri foi depois colocado sob prisão domiciliar, mas, devido às condições de saúde, foi transferido para um hospital.  Oficiais revelaram posteriormente que ele é “suspeito de ofensas ligadas ao terrorismo”. Já Fathi Beldi, ex-funcionário do Ministério do Interior, foi detido no mesmo período e até hoje o paradeiro dele é desconhecido.  

Por que isso importa?

A instabilidade política na Tunísia se intensificou no final de julho de 2021, quando o mandatário destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi, suspendeu as atividades do Parlamento e concentrou em suas mãos quase todos os poderes do Estado.

Além disso, Saied suspendeu a imunidade parlamentar dos legisladores e assumiu poderes judiciais. No dia 14 de julho, antes de derrubar o governo, ele também ordenou a abertura de uma investigação contra três partidos políticos suspeitos de receberem fundos estrangeiros antes das eleições de 2019, na qual ele saiu vitorioso.

A intervenção de Saied, que colocou em xeque os avanços democráticos do país conquistados desde a Primavera Árabe, em 2011, se segue a anos de crise econômica e inércia política, a que se soma a pandemia de Covid-19 e um processo de vacinação popular lento.

Nos últimos dez anos, o país acumulou problemas. Teve dez primeiros-ministros diferentes, que falharam em combater a corrupção e em estabilizar economicamente o país. Novato na política, o jurista Saied era uma aposta dos tunisianos para mudar a situação. O discurso anticorrupção e a rejeição ao sistema político tradicional permitiram a ele vencer o pleito com mais de 70% dos votos.

No dia 24 de julho de 2021, um dia antes de Saied derrubar o governo, os tunisianos foram às ruas protestar mais uma vez. Veio, então, a queda do primeiro-ministro e a suspensão do Parlamento. Para os partidos de oposição, sobretudo o Ennahda, as ações do presidente configuram um golpe de Estado.

A favor de Saied sempre pesou o apoio do exército, que já agiu para impedir o acesso de deputados e outros representantes populares ao Parlamento. A população desde então se divide entre apoiar e contestar as medidas.

Tags: