Burkina Faso expulsa embaixador francês e evidencia aumento da influência russa

Quem ganha força no cenário atual é o Wagner Group, que vem se firmando como principal parceiro do governo no setor de segurança

O embaixador da França em Burkina Faso, Luc Hallade, foi expulso do país africano pela junta militar que assumiu o poder no golpe de Estado de setembro de 2022, a segunda tomada de poder ocorrida por lá no ano passado. O episódio é mais um indício de que a nação da África Ocidental enxerga em Moscou o parceiro ideal, sobretudo no campo da segurança, um papel antes exercido por Paris. As informações são da agência Associated Press (AP).

Oficialmente, o capitão Ibrahim Traoré, atual chefe de governo, derrubou o líder burquinense anterior, o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, sob o argumento de que ele não vinha tendo sucesso na luta contra grupos extremistas islâmicos que desde 2015 marcam presença na nação.

Paris tem sido a principal parceira de Uagadugu no setor de segurança e ainda mantém tropas no país, mas sua presença é cada vez menor. A expulsão de Hallade representa o ápice da campanha anti-França em Burkina Faso e é mais uma importante vitória de Moscou em busca de influência no continente.

O representante do governo russo nessa disputa por poder é o Wagner Group, grupo paramilitar privado ligado ao Kremlin que já havia se aliado ao governo do Mali sob a justificativa oficial de combater a insurgência islâmica. Como ocorreu no país vizinho, os mercenários russos têm se tornado os mais importantes aliados nas operações de contraterrorismo também em Burkina Faso.

O terreno foi devidamente preparado para a chegada dos mercenários. Logo após o golpe de setembro, muitos manifestantes foram às ruas saudar o novo governo, com bandeiras da Rússia vistas nas mãos dos burquinenses, que também protestaram contra a presença francesa.

Junta militar que assumiu o poder após golpe de Estado em Burkina Faso (Foto: RTB/Captura de tela)

Nos protestos pós-golpe, um apoiador de Traoré deixou clara a imagem favorável de Moscou junto à população local. “Queremos cooperação com a Rússia. Queremos a saída de Damiba e da França”, disse Alassane Thiemtore, um dos manifestantes, segundo a agência Reuters.

A campanha anti-França e o fortalecimento da presença do Wagner Group são episódios que aproximam os governos de Burkina Faso e Mali, sendo que este último expulsou o chefe da diplomacia francesa há cerca de um ano. Os dois países são governados por militares que chegaram ao poder através de golpes, sendo o coronel Assimi Goita o líder do regime maliano.

E a tendência é a de que o cenário se espalhe ainda mais pela África, com os mercenários dando suporte às forças armadas na luta contra o extremismo em troca de remuneração baseada nos recursos naturais locais.

O governo de Gana já havia alertado que uma mina teria sido usada como pagamento aos mercenários em Burkina Faso. No Mali, fontes sustentam que os serviços da organização russa custem US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

O Wagner e o golpe

Atualmente, o Wagner Group marca presença em ao menos seis países africanos. Para isso, conta com o suporte da propaganda do Kremlin, que há anos realiza uma campanha de influência no continente, sobretudo focada em nações politicamente instáveis. O governo russo faz uso das redes sociais para difundir uma imagem favorável junto à população local e atua até mesmo para influenciar os protestos de rua.

Os golpes em Burkina Faso estão atrelados à questão russa. Foi assim na derrubada do governo democrático que colocou Damiba no poder no início de 2022. Segundo o think tank norte-americano Atlantic Council, “o conteúdo pró-russo se espalhou nas mídias sociais da África Ocidental nos meses que antecederam o golpe militar de janeiro de 2022 que derrubou o governo de Burkina Faso”.

A questão russa foi novamente relevante na ascensão de Traoré. Um oficial militar baseado no Sahel, cuja identidade não foi revelada, diz que Damiba chegou a cogitar a possibilidade de contratar os mercenários. Porém, ele mudou de ideia e incomodou o alto escalão das forças armadas burquinenses, o que abriu espaço para Traoré assumir.

“[Damiba] Poderia ter trazido assessores, ou armas, ou o Wagner, ou o que quer que seja. Mas isso não aconteceu, e essa foi uma das razões que incomodaram seus críticos nas forças armadas”, disse a fonte ao jornal britânico Guardian.

Constantin Gouvy, pesquisador de Burkina Faso no Instituto Holandês de Relações Internacionais, confirmou que a escolha de parceiros internacionais vinha sendo um dos principais pontos de discórdia entre a junta militar que governava o país, o exército e a população.

“Damiba estava se inclinando para a França, mas podemos ver o MPSR (a junta) explorando mais ativamente alternativas a partir de agora, com a Turquia ou a Rússia, por exemplo”, afirmou Gouvy.

De acordo com o Atlantic Council, existe mesmo uma tendência de aumento da influência russa na África. “A Rússia tem sido cada vez mais vista como uma opção alternativa, particularmente após o sucesso percebido do país no combate a militantes na RCA (República Centro-Africana)”, diz a entidade.

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