Não é apenas a Rússia que usa seu poderio militar para semear influência na África. A China também tem o continente como prioridade, e as Forças Armadas são uma importante ferramenta para seus objetivos políticos e comerciais. Isso ficou claro nos últimos dias, quando Beijing anunciou uma série de acordos com países africanos, inclusive no campo militar.
Durante o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que começou na quinta-feira (5), o presidente chinês Xi Jinping anunciou um aporte de 1 bilhão de yuans (R$ 790 milhões) em ajuda militar e treinamento para seis mil militares e mil policiais de nações africanas, acordo que remete àqueles firmados nos últimos anos por Moscou.
Segundo o jornal South China Morning Post, o acordo ainda prevê que 500 oficiais africanos visitem a China para treinamento, enquanto agentes chineses serão convidados para realizar patrulhas em países da África, inclusive realizando a perigosa missão de eliminar minas terrestres. Os países que serão beneficiados pelo acordo, entretanto, não foram revelados.
O interesse de Beijing pelo Fórum já havia sido destacado pelo jornalista Michael Schuman em artigo para o think tank Atlantic Council. “O líder chinês Xi Jinping foi, para seu crédito, presciente ao reconhecer as frustrações e aspirações dentro do mundo em desenvolvimento e capitalizou esses sentimentos para construir a influência política e econômica global da China”, disse ele.
A presença militar chinesa na África não é nova, embora bem menos visível que a da Rússia. O continente foi o segundo principal foco de Beijing no setor de segurança em 2023, atrás apenas do Sudeste Asiático, segundo o think tank Instituto de Políticas Sociais da Ásia. Assim, mesmo países que historicamente mantinham forte presença por lá, como a França e os EUA, perderam terreno.
Liselotte Odgaard, pesquisadora sênior do Instituto Hudson, de Washington, diz que os chineses levam vantagem em relação aos aliados ocidentais na luta por influência na África devido à disponibilidade de “construir relações políticas e ouvir as opiniões e interesses das elites africanas”.
Isso não parece no radar também da Rússia, cuja estratégia é fornecer mão de obra militar em troca de recursos naturais. O principal representante de Moscou no continente é o Wagner Group, que tem acordos de segurança bastante sólidos sobretudo com nações governadas por juntas militares, casos de Níger, Mali e Burkina Faso.
Recente estudo assinado por cinco pesquisadores, intitulado The Blood Gold Report (O Relatório do Ouro de Sangue, em tradução literal), calcula que a atuação da organização paramilitar no continente africano vem sendo crucial para financiar a máquina de guerra da Rússia na Ucrânia.
O relatório afirma que, desde o início do conflito, o Wagner faturou US$ 2,5 bilhões com ouro na África, graças a acordos de segurança firmados com os governos de Mali, Sudão e República Centro-Africana. O grupo teria se tornado o principal comprador do ouro sudanês, bem como “um grande contrabandista de ouro processado”, riqueza que costuma deixar o país em voos militares russos.
Os interesses chineses, porém, são menos escancarados. Malcolm Davis, analista sênior do Instituto Australiano de Política Estratégica, diz que a presença militar de Beijing está atrelada à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa lançada em 2013 por Xi Jinping para espalhar a influência do país através do financiamento de projetos de infraestrutura.
Segundo Davis, a BRI visa “permitir e facilitar o acesso chinês a recursos estratégicos essenciais e também a instalações portuárias importantes ao redor do mundo para dar suporte ao fluxo desses recursos e sustentar o crescimento econômico da China.” E o apoio militar “poderia fazer parte deste processo”.