Níger rompe com os EUA, se volta à Rússia e compromete a luta contra o terror na África

Após fim de acordo de segurança, eventual retirada de tropas privaria Washington de uma posição crucial no continente

A relação entre o governo norte-americano e a junta militar que comanda o Níger atingiu o ponto de ruptura no sábado (16), quando o país africano anunciou o fim de um acordo de segurança com os EUA que se concentrava sobretudo no combate ao extremismo islâmico. Assim, as tropas norte-americanas podem vir a se retirar, segundo informações da rede CNN.

Niamei e Washington começaram a se distanciar quando a junta militar assumiu o poder na nação africana, ato que os EUA reconheceram em outubro do ano passado como um golpe de Estado. Desde então, o apoio militar norte-americano vinha sendo reduzido, mas tropas foram mantidas no país devido à importância estratégica que ele ocupa no Sahel.

Na semana passada, o governo nigerino se reuniu com representantes diplomáticos e militares dos EUA para uma reunião que se desenrolou de forma tensa. Washington teria contestado a presença crescente de combatentes russos no país, resultado da influência cada vez maior de Moscou no continente. A manifestação de insatisfação foi encarada como intrusiva pelos africanos.

Militares norte-americanos na África, março de 2024 (Foto: facebook.com/SETAFAfrica)

“Quando se trata de escolher parceiros diplomáticos, estratégicos e militares, o governo do Níger lamenta a vontade da delegação norte-americana de negar ao povo soberano do Níger o direito de escolher os seus parceiros e os tipos de parcerias que provavelmente o ajudarão a combater verdadeiramente o terrorismo”, disse o coronel major Amadou Abdramane, porta-voz militar do Níger.

Apesar da ruptura, ainda não está claro se os soldados norte-americanos terão que deixar a nação africana imediatamente. Em um primeiro momento, eles seguem realizando normalmente suas tarefas, inclusive com drones lançados de uma base aérea em Agadez para monitorar a movimentação de extremistas.

Caso os militares dois EUA de fato tenham que ir embora, isso criará sérios problemas para o combate ao terrorismo no continente africano. O Níger é considerado um ponto estrategicamente importante, pois a base em Agadez garante aos soldados uma posição segura para operar, com acesso a países onde a ação extremista é mais intensa, como os vizinhos Mali e Burkina Faso.

A situação já havia se complicado após a expulsão das tropas da França, que igualmente perderam a concorrência com a Rússia. A aliança de Moscou com as nações africanas, entretanto, não se faz através das Forças Armadas regulares, e sim de de mercenários. O Wagner Group foi quem primeiro se estabeleceu no continente, mas vem sendo desfeito desde a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.

Outros grupos surgiram nos mesmos moldes, e quem melhor se posiciona para assumir o espólio do antecessor é uma organização paramilitar privada chamada “The Africa Corps“, atrelada ao Ministério da Defesa russo, embora não seja integrada às Forças Armadas.

Segundo o think tank OSW Centre for Eastern Studies, o novo grupo iniciou o recrutamento em dezembro de 2023, inclusive buscando ex-mercenários do Wagner e possivelmente residentes locais. Há estimativas não oficiais indicando que teria 20 mil membros, mas os números parecem exagerados, pois as unidades africanas do Wagner chegaram a ter entre cinco mil e sete mil mercenários em seu auge.

O porta-voz militar do Níger confirmou a parceria com a Rússia, mas diz que ela foi negociada “sob uma base estatal, conforme acordos de cooperação militar assinados com o governo anterior (pré-golpe), para adquirir equipamento militar necessário à sua luta contra o terroristas que fizeram milhares de vítimas nigerinas inocentes sob o olhar indiferente de grande parte da comunidade internacional.”

Para Moscou, a África representa ainda uma fonte de renda crucial, conforme o país se afoga nos gastos com a guerra da Ucrânia. A Rússia faturou, somente desde o início do conflito, US$ 2,5 bilhões com ouro de países africanos.

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