Dois trabalhadores humanitários morrem durante distúrbios na Etiópia

Mortes ocorreram em meio à agitação social que eclodiu após o governo etíope anunciar a dissolução das forças de segurança regionais

Dois trabalhadores da agência católica humanitária Catholic Relief Services (CRS) foram mortos na região de Amhara, na Etiópia, disse a instituição nesta segunda-feira (10). As mortes ocorreram em meio a uma onda de distúrbios civis desencadeada por uma decisão do governo local de dissolver as forças de segurança das 11 unidades federativas do país e juntá-las às forças federais. As informações são da agência Reuters.

De acordo com comunicado do CRS, as vítimas são Chuol Tongyik, um gerente de segurança, e Amare Kindeya, um motorista. Eles foram “baleados e mortos” enquanto voltavam para a capital, Addis Abeba, no domingo (9). 

Protestos e tiroteios tomaram conta de várias cidades de Amhara no fim de semana, se estendendo até segunda-feira, relataram moradores. A agitação ocorreu depois que o governo justificou sua decisão declarando que as forças de segurança regionais representam uma “ameaça” à segurança do país.

Em outras partes de Amhara, manifestantes bloquearam estradas e queimaram pneus nas ruas, paralisando grande parte da região, a segunda maior da Etiópia. Em resposta, o governo impôs um toque de recolher e cortou o serviço de internet em várias áreas.

O primeiro ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, durante pronunciamento ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em dezembro de 2019 (Foto: WikiCommons/Nobel Prize)

“A profundidade do nosso choque e tristeza é difícil de medir e estamos tristes com esta violência sem sentido”, disse Zemede Zewdie, representante do CRS na Etiópia. “Os detalhes do assassinato ainda são desconhecidos”, acrescentou.

Na visão de políticos e ativistas de Amhara, a dissolução das forças especiais de Amhara deixaria a região vulnerável a ataques de regiões vizinhas, incluindo Tigré, cujos líderes concordaram com uma trégua com o governo federal em novembro para encerrar uma guerra de dois anos que matou dezenas de milhares de pessoas. As forças de Amhara lutaram ao lado do exército federal naquele conflito.

Segundo o primeiro-ministro Abiy Ahmed, a integração das forças especiais regionais é necessária para “garantir a unidade nacional” em um país que vive uma longa história de conflito interétnico.

O governo regional de Amhara proibiu nesta segunda manifestações na cidade de Gondar, onde foram registradas algumas das maiores manifestações. Também determinou restrições à circulação de veículos de três rodas e ordenou que os bares fechassem às 21h.

Por que isso importa?

A região de Tigré, no extremo norte da Etiópia, esteve imersa em conflitos por dois anos desde novembro de 2020, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais. A disputa opunha a Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF) às forças de segurança nacionais da Etiópia.

Os militares chegaram a reconquistar Tigré, mas os rebeldes viraram o jogo e começaram a ganhar território. No final de junho de 2021, eles anunciaram um processo de “limpeza” para retomar integralmente o controle da região e assumiram o comando de Mekelle.

Pouco após a derrota do exército, o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo e deixou Tigré. Os soldados do exército da aliada Eritreia também deixaram de ser vistos por lá. Posteriormente, com o avanço dos rebeldes, que chegaram às regiões vizinhas de Amhara e Afar, o exército foi enviado novamente para apoiar as tropas locais.

Durante o conflito, a TPLF se aliou ao OLA (Exército de Libertação Oromo, da sigla em inglês), que em 2020 se desvinculou do partido político homônimo e passou a defender de maneira independente a etnia Oromo, a maior da Etiópia.

A coalizão passou a superar o exército nos confrontos armados e chegou a ameaçar rumar para a capital, sem sucesso. A situação estava relativamente calma em 2022 até agosto, quando nos confrontos eclodiram. Três meses depois, um cessar-fogo foi firmado, e os rebeldes começaram a depor suas armas.

Acredita-se que dezenas de milhares de pessoas tenham morrido no conflito, com milhões de deslocados das regiões de Tigré, Amhara e Afar. Em março de 2023, os EUA acusaram todas as partes envolvidas no conflito de cometerem crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A denúncia recai não apenas sobre as forças armadas da Etiópia e da Eritreia, país vizinho que apoiou o governo etíope durante o conflito. Também atinge as milícias de oposição, quais sejam a TPLF e as forças rebeldes de Amhara.

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