Junta militar não consegue conter o avanço extremista em Burkina Faso, dizem analistas

Democracia caiu sob o argumento de que o extremismo vinha triunfando, mas o cenário não mudou nem um pouco desde então

Burkina Faso foi palco de dois golpes de Estado em 2022. Quando se instalaram no poder, os militares argumentaram que o presidente deposto, Roch Marc Christian Kabore, não vinha obtendo sucesso no enfrentamento ao extremismo islâmico. Mais de dois anos se passaram desde a ruptura democrática, e especialistas ouvidos pelo jornal Financial Times (FT) avaliam que a situação de segurança não melhorou.

A nação africana chegou a desfrutar de relativa calmaria no período anterior à queda de Kabore, que àquela altura era alvo de protestos pela forma como enfrentava a insurgência. O golpe de janeiro de 2022 foi a senha para o aumento das atividades extremistas, e então veio uma segunda tomada de poder em setembro daquele ano. Quem assumiu foi o capitão Ibrahim Traoré, que segue no comando até hoje.

De acordo com Ulf Laessing, diretor do programa Sahel da Fundação Konrad Adenauer, um think tank baseado na Alemanha, “não houve nenhuma melhoria” desde que os militares ascenderam ao poder. “Pelos seus próprios padrões, Traoré tem algumas explicações a dar”, acrescentou o analista.

Presidente interino de Burkina Faso, Ibrahim Traoré (Foto: Alexei Danichev/kremlin.ru)

Na verdade, a instabilidade política só faz crescer o problema da insurgência. Desde os golpes, um dos ataques mais violentos ocorreu em novembro de 2023, quando dezenas de civis foram mortos por insurgentes do Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM), um grupo ligado à Al-Qaeda.

Na ocasião, os extremistas atacaram uma base militar, residências ocupadas por civis e três campos de deslocados internos na cidade de Djibo, no norte do país africano. Ao menos 40 civis foram mortos, com outros 42 feridos, de acordo com o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Também foram incendiados 20 estabelecimentos comerciais.

Na semana passada, o JNIM assumiu a autoria de novo ataque impactante, que deixou mais de cem soldados mortos nas proximidades da fronteira com o Níger. De acordo com um comunicado publicado pelo grupo terrorista, “combatentes invadiram um posto militar na cidade [de Mansila], onde mataram 107 soldados e assumiram o controle do local.”

Para os especialistas, os extremistas aproveitam a crise generalizada no país e o despreparo das Forças Armadas. “A economia está à beira do colapso, e o exército está profundamente mal treinado e mal equipado”, declarou ao FT Will Brown, analista do programa para África no Conselho Europeu de Relações Exteriores,. “As minhas fontes indicam que há uma taxa de baixas de quase 30% nas Forças Armadas [em batalhas com os insurgentes], e a taxa de estresse pós-traumático é surpreendente.”

A situação se tornou ainda mais delicada após a França acatar um pedido do governo central burquinense e retirar suas tropas da nação africana. Paris mantinha até 400 membros de suas forças especiais por lá, parte da Operação Barkhane de combate ao extremismo no Sahel.

Entretanto, Jan Egeland, secretário-geral da ONG Conselho Norueguês para os Refugiados, não aceita o argumento de Paris. Ele observa sob o mesmo prisma a violência jihadista na África, a saída das tropas francesas de diversos países do continente e a crise global de deslocamentos.

“Você não quer que as pessoas se joguem no Mediterrâneo para vir para a Europa, mas retira a ajuda ao desenvolvimento para os países do Sahel porque houve uma tomada militar. Você está negando esperança para a juventude do Sahel”, disse ele. “É um erro estratégico jogar a toalha e não encontrar formas de investir na esperança nesta região.”

Somadas, a instabilidade política, a violência jihadista e os problemas econômicos geram uma das crises humanitárias “de crescimento mais rápido no mundo”, de acordo com o site Reliefweb, administrado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês).

Atualmente, a nação africana tem mais de dois milhões de pessoas deslocadas internamente, e cerca de um quarto da população do país que depende atualmente de ajuda humanitária. “A imensa necessidade humanitária ultrapassou largamente a capacidade existente dos intervenientes na área”, segundo o Ocha.  

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