Países africanos governados por militares formam coalizão de combate ao terrorismo

Burkina Faso, Mali e Níger se unem para criar uma força militar que surge como alternativa após a expulsão das tropas francesas

Burkina Faso, Mali e Níger, três nações africanas atualmente governadas por juntas militares, decidiram unir esforços no combate ao terrorismo islâmico e formaram uma coalizão com o objetivo de enfrentar as organizações extremistas que atuam em seus países. As informações são do site The Defense Post.

Moussa Salaou Barmou, que comanda o exército do Níger, afirmou que a força-tarefa “estará operacional o mais rapidamente possível para ter em conta os desafios de segurança no nosso espaço.” Ainda segundo ele, os aliados estão “convencidos de que, com os esforços combinados dos nossos três países, conseguiremos criar as condições para uma segurança compartilhada.”

A coalizão surge como alternativa após a expulsão das tropas da França pelos três países, uma decisão tomada por seus governantes militares. Paris era, até então, o principal parceiro dessas nações na luta contra o extremismo, mas perdeu espaço para a Rússia, que atua na África através do Wagner Group.

Porém, a morte de Evgeny Prigozhin, líder dos mercenários russos, colocou a organização no limbo, e sua dissolução vem sendo preparada por Moscou. De acordo com a rede Bloomberg, o Wagner Group será substituído por outro exército privado, este sujeito às ordens do Kremlin, chamado “The Africa Corps“.

Além de trocar Paris por Moscou como parceiro de segurança, Burkina Faso, Mali e Níger também anunciaram a saída da CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) para formarem um novo bloco econômico. Os três países foram alvo de sanções e ameaçados de invasão pela CEDEAO após trocarem governos democraticamente eleitos pelas juntas militares.

Todas as manobras, entretanto, têm se mostrado inúteis na luta contra grupos extremistas islâmicos, que seguem ativos nessas nações. O Mali foi o primeiro afetado, com a ascensão jihadista em 2012. O problema se espalhou e atingiu Burkina Faso e Níger em 2015.

Capitão Ibrahim Traoré, chefe da junta militar que governa Burkina Faso (Foto: twitter.com/capit_ibrahim)
Por que isso importa?

O combate global ao terrorismo conseguiu enfraquecer os dois principais grupos jihadistas do mundo, mas ainda assim Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda conseguem se manter ativos e relevantes. Para tanto, recrutam seguidores na internet e se refugiam principalmente em zonas de conflito da África, onde grupos afiliados regionais os representam. Outro porto seguro é o Afeganistão, agora sob o regime do Taleban.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro do ano passado, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, líder da facção. Em outubro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto. Um terceiro líder do grupo, Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, foi morto em abril de 2023.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio do ano passado.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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