Na pequena vila de Leonardville, no sudeste da Namíbia, uma disputa envolve o futuro da mineração de urânio e o impacto no maior aquífero da região, vital para a sobrevivência no deserto de Kalahari. O projeto liderado pela estatal russa Rosatom levanta preocupações sobre contaminação hídrica, enquanto a comunidade se divide entre as promessas de desenvolvimento econômico e os riscos ambientais. As informações são da rede Al Jazeera.
A Rosatom, por meio de sua subsidiária Headspring Investments, propôs um método controverso de extração de urânio que utiliza ácido sulfúrico injetado no subsolo, técnica nunca testada na África e criticada por especialistas. O ministro da Agricultura, Água e Reforma Agrária da Namíbia, Calle Schlettwein, alertou para os possíveis danos à água subterrânea que abastece a Namíbia, a África do Sul e Botsuana, ameaçando “a base econômica de toda a região”.
No entanto, muitos moradores de Leonardville enxergam no projeto uma oportunidade para enfrentar o desemprego e a pobreza extrema. “Por que a mina não pode ser aberta em Leonardville? É isso que queremos saber”, questiona Petronella Subelelo, moradora e defensora da mineração, preocupada com o aumento da criminalidade e a falta de empregos.
A vila, situada sobre uma das maiores reservas de água subterrânea do mundo, enfrenta desafios crescentes com a escassez de recursos hídricos. Mudanças climáticas agravaram as secas na região, tornando o aquífero essencial para a agricultura local.
Impo Gift Kapamba Musasa, professor e agricultor da vila, diz temer que a mineração ponha tudo a perder: “A poluição vai mudar os meios de subsistência das pessoas”, lamenta.
Os agricultores locais também se posicionam contra o projeto, destacando o impacto irreversível que a contaminação pode causar. Piet Gouws, ex-presidente da União de Agricultores da Namíbia, afirma que a mineração tornaria a água imprópria para consumo humano e animal, acabando com a agricultura na área.
Diante das críticas, a estatal da Rússia busca fortalecer sua influência na região por meio de doações e campanhas, incluindo a construção de uma cozinha para atender 600 crianças em uma escola local. Embora a iniciativa tenha sido bem recebida por parte da comunidade, críticos consideram a ação uma tentativa de ganhar apoio para o projeto de mineração.
“Chamar esses esforços de ‘greenwashing’ é cínico”, rebateu o porta-voz da empresa, Riaan van Rooyen, citando o termo em inglês usado para descrever práticas de empresas que promovem uma imagem ambientalmente responsável que não condizem com suas práticas reais.
Desde 2021, o governo da Namíbia suspendeu licenças de perfuração da Headspring Investments devido ao descumprimento de regulamentações ambientais. Mesmo assim, a empresa mantém outras licenças e busca reverter a decisão, enfrentando oposição de agricultores organizados na Associação de Mineração do Aquífero Stampriet (SAUMA).
A disputa pela mineração reflete questões mais amplas, como a concentração de terras por fazendeiros brancos e a desigualdade econômica no país. Enquanto agricultores veem o projeto como uma ameaça, parte dos moradores da vila, composta majoritariamente por população negra, espera que ele traga melhorias. Esse contraste alimenta tensões raciais históricas no país.
Com eleições nacionais previstas para decidir o futuro das licenças, a Namíbia se encontra no centro de um debate global sobre os limites da exploração de recursos naturais em tempos de crise climática. Como afirma Schlettwein: “No final do dia, não podemos sobreviver sem água e comida, mas podemos viver sem carvão ou urânio.”