No Mali, junta militar proíbe a imprensa de divulgar notícias sobre atividade política

Emissoras de rádio e de TV, sites e a mídia imprensa estão proibidos de reportar as atividades de partidos e associações políticas

O coronel Assimi Goita, que governa o Mali desde o mais recente golpe de Estado, ocorrido em maio de 2021, aprofundou ainda mais a repressão no país nesta semana. As mais recentes medidas autoritárias anunciadas por ele atingem as organizações políticas e a imprensa e indicam que não existe qualquer perspectiva de um retorno à democracia para um futuro próximo.

Primeiro, o militar publicou um decreto determinando, “até novo aviso”, que todas as atividades políticas no país estão suspensas. Na sequência, proibiu todos os meios de publicação locais de publicarem notícias sobre as atividades de partidos ou associações políticas. A determinação atinge emissoras de radio e de TV, sites e a mídia imprensa, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW).

Assimi Goita, coronel que governa o Mali (Foto: reprodução/twitter.com/PresidenceMali)

O anúncio levou a uma reação de líderes políticos e outras autoridades, que pediram um levante popular. Housseini Amion, residente do partido Convergência para o Desenvolvimento do Mali (CODEM), instou a população à  “desobediência civil até a queda do regime ilegal e ilegítimo”. Discurso semelhante fez o juiz Mohamed Cherif Kone, destituído do cargo por se opor aos militares.

Também houve reações internacionais, inclusive da ONU (Organização das Nações Unidas). O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) usou seu perfil na rede social X, antigo Twitter, para condenar as medidas anunciadas por Goita.

“Estamos profundamente preocupados com o decreto que suspende as atividades dos partidos políticos e outras associações cívicas. Deve ser imediatamente revogado. Um espaço cívico aberto e pluralista é fundamental para os direitos humanos, a paz e a segurança e o desenvolvimento sustentável”, diz a postagem.

Washington se pronunciou através do Departamento de Estado. “Estamos profundamente preocupados com o decreto do governo de transição do Mali”, disse o porta-voz Matthew Miller, segundo a agência Reuters. “Apelamos ao governo de transição do Mali para que honre os seus compromissos para com os seus cidadãos e realize eleições livres e justas”.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes. O espaço deixado pelos franceses foi assumido inicialmente pelos mercenários do Wagner Group, da Rússia.

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