Este conteúdo foi publicado originalmente em inglês pela Newsweek
Por Ivor Ichikowitz*
A África precisa de uma voz no cenário mundial.
Existem várias razões para isso. Em primeiro lugar, temos a população mais jovem do mundo e, em menos de duas décadas, seremos um terço da força de trabalho global. Além disso, há o contexto dos recursos naturais africanos, minerais e seres humanos que, se não fossem por eles, grande parte do mundo moderno não existiria.
A África tem fornecido metais preciosos como ouro e prata, além de diamantes, que transformaram a economia antiga e agora está contribuindo com novos minerais essenciais para a transição para uma economia verde. Não podemos esquecer o impacto do comércio de escravos, que enviou milhões de africanos para trabalhar nos campos do Novo Mundo, especialmente nas grandes plantações do sul profundo da América e em outros lugares.
Além de ser o berço da humanidade, a África é também o futuro.
O mundo nos deve uma voz e tem o dever ético de nos ouvir. No entanto, há uma relutância real em nos dar um assento à mesa.

Existem várias razões para essa relutância. Parte dela é injustificada e baseada em preconceitos históricos, mas também reconhecemos que há inconsistências em nossas próprias posições políticas, como as aparentes contradições da África do Sul em relação à guerra russa na Ucrânia e à guerra israelense em Gaza.
O falecido Nelson Mandela foi reverenciado como um verdadeiro estadista global, alguém que podia andar tanto com príncipes quanto com pobres sem nunca perder seu senso de proximidade, devido à sua consistência, autenticidade e honestidade. Mandela tinha a habilidade de falar a verdade ao poder, de apontar quando os imperadores estavam sem roupas enquanto o resto do mundo se submetia ao seu domínio e não tinha coragem de expressar o que pensava.
Foi exatamente esse tipo de abordagem honesta e imparcial que inspirou a iniciativa de paz africana para a Ucrânia adotada no ano passado. Um grupo de sete chefes de estado africanos assumiu o risco, conseguindo dialogar tanto com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky quanto com o presidente russo Vladimir Putin. Essa iniciativa foi alvo de ridículo em certos círculos, especialmente pela ousadia dos líderes africanos em sair de sua zona de conforto e se envolver em questões além de seu continente — uma ironia que pode passar despercebida para quem não é africano.
A missão foi bem-sucedida ao alcançar dois objetivos principais: iniciar um diálogo entre dois arqui-inimigos, mesmo que por meio de intermediários, e garantir a liberação de grãos ucranianos que estavam bloqueados devido a um cerco marítimo russo. Esses grãos estavam destinados à África, um aspecto pouco conhecido de um jogo de poder global. Sem esses suprimentos, dezenas de milhões poderiam enfrentar a fome.
Isso também tem suas raízes na África, seguindo o mesmo processo do Protocolo de Brazzaville em 1988, que levou ao fim da Guerra de Angola e, pouco depois, à independência da Namíbia, à libertação de Mandela e à eventual criação de uma África do Sul totalmente livre e democrática anos depois.
Em resumo, os países africanos colaboraram com o mundo para encontrar uma solução duradoura para um desafio intratável africano.
Não há comparação entre então e agora, especialmente no papel desempenhado pela África do Sul no conflito em Gaza, anterior à recente eleição geral do país e à formação de um governo de unidade nacional. Os esforços recentes da África do Sul em Gaza apenas polarizaram sentimentos e endureceram atitudes, ao contrário dos esforços na Ucrânia.
Há muitas críticas de que o Ocidente deve ter cautela para não empurrar os países africanos não alinhados para os braços da Rússia e da China através de táticas de intimidação e paternalismo. No entanto, a África também não pode buscar interesses sectários às custas de relacionamentos que beneficiam seu povo.
“Comércio, não ajuda” é a chave para desbloquear o potencial inexplorado do Século Africano. A Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA) é um passo nessa direção, enquanto o New Deal for Africa proposto pelo presidente Joe Biden é um pilar fundamental.
O advento do novo governo de unidade nacional da África do Sul sugere que as decisões não serão mais tomadas exclusivamente por partidos isolados ou facções dentro deles, mas serão mais ponderadas e baseadas em consenso, refletindo uma compreensão mais profunda das realidades geopolíticas.
Se isso acontecer, há esperança de que a África do Sul possa recuperar a posição que ocupava há 30 anos, beneficiando não apenas seu próprio povo, mas toda a região e o mundo.
*Ivor Ichikowitz é um empresário sul-africano com interesses comerciais globais e um forte compromisso com a África. Ele lidera a Fundação da Família Ichikowitz, que desempenhou um papel significativo no apoio à missão de paz africana na Ucrânia e na Rússia.