Pesca ilegal patrocinada pela China compromete o sustento de comunidades africanas

Ação indiscriminada de barcos chineses em outros continentes destrói recursos e prejudica a subsistência da população local

A atuação de grandes barcos pesqueiros respaldados pelo governo da China se espalhou por todo o mundo, deixando um rastro de destruição que prejudica o meio ambiente e a economia de diversos países. O problema é particularmente sentido na costa da África, onde as reservas de pescado se esgotam devido à atuação indiscriminada dos visitantes, comprometendo a subsistência das comunidades locais.

Entre os países mais afetados destacam-se Tanzânia, Quênia, Moçambique e Madagascar. Ali, os barcos chineses esgotam as reservas mais valiosas e deixam para trás somente peixes pouco atrativos, cujo valor é insuficiente para manter os pescadores locais, além de muitos peixes menores mortos após terem sido rejeitados.

“Antes de os barcos de pesca chineses chegarem aqui, podíamos esperar uma boa captura quando lançássemos as redes, mesmo que só lançássemos as redes três vezes”, disse um pescador moçambicano à Fundação para a Justiça Ambiental (EJF, na sigla em inglês), do Reino Unido. “Agora temos que ficar no mar um dia inteiro para pescar peixes suficientes”.

Pescadores artesanais são prejudicados pela atividades irregulares chinesas (Foto: Pixabay/Divulgação)

A pesca de arrastão conduzida pelos barcos chineses é rápida e implacável, esgotando as unidades populacionais e interrompendo os ciclos reprodutivos. O pescador ouvido pela EJF disse que o problema é tão grave que tende a prejudicar inclusive as próximas gerações, mesmo que a pesca chinesa venha a ser controlada agora. “Eles destruíram os nossos meios de subsistência futuros”, declarou.

Em Moçambique, país de língua portuguesa onde até dois terços da população vive na costa, a situação é calamitosa. Em março do ano passado, um relatório do Centro de Integridade Pública (CIP), órgão estatal independente de fiscalização da esfera pública, disse que o problema passou a ser notado entre 2017 e 2018, quando cerca de 60 pesqueiros chineses passaram a atuar após obterem suas licenças através de acordos escusos com autoridades moçambicanas.

O relatório dizia, ainda, que os chineses são “célebres por seu desrespeito às normas vigentes nos países africanos” e “entraram nas águas moçambicanas violando todas as regras que governam o setor, perante a habitual impunidade garantida pelo poder político moçambicano”.

Meio ambiente devastado

A atuação dos pesqueiros contra com o aval e o apoio de Beijing, o que ficou claro em um documento do governo chinês segundo o qual seus barcos concentrariam as operações em águas distantes, “seguras, estáveis, verdes e sustentáveis.” Um cenário que se transforma após a atuação dos visitantes.

“Eles apanham muitos peixes pequenos, mas os jogam fora e só levam os peixes que querem. Praias inteiras estão cobertas de peixes mortos”, disse um pescador moçambicano ouvido pela reportagem da RFA. “A forma como os barcos de pesca chineses operam nos deixa sem nada.”

A EJF, que publicou um relatório denunciando a atuação chinesa no Oceano Índico, diz que as embarcações do país hoje estão em todos os mares, comprometendo o sustento de pescadores da América Latina e prejudicando o meio ambiente inclusive na Antártida. Há, ainda, casos de abusos contra os próprios pescadores, muitas vezes estrangeiros contratados pelos navios da China.

O comportamento de boa parte da frota em águas estrangeiras é “ilegal, insustentável ​​e abusivo em relação aos ecossistemas marinhos e à tripulação”, diz o texto. Foram identificados, no total, 86 casos de abusos e violações ambientais e de direitos humanos entre 2017 e 2023 no Índico, sendo que metade deles cabe está ligada a barcos chineses.

“Descobriu-se que a pesca ilegal e as violações dos direitos humanos são comuns em navios chineses no SOOI [sudoeste do Oceano Índico], incluindo a remoção rotineira das barbatanas de tubarão, a captura deliberada e/ou lesão de megafauna marinha vulnerável, e tripulações que sofrem de violência física, trabalho abusivo e condições de vida, intimidação e ameaças”, afirma o relatório.

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