Documentário “Tigre Gente” mostra rede de tráfico de onças-pintadas na Bolívia

Longa segue um guarda-florestal boliviano na busca pela proteção dos animais; investigação durou seis anos e aborda labirinto criminoso na América do Sul e Ásia

Enquanto cresce a rede de influência da China na América Latina, paralelamente aumenta a caça de onças-pintadas e jaguatiricas na região amazônica. O documentário “Tigre Gente”, que acaba de estrear no festival de Tribeca, acompanha Marcos Uzquiano, chefe de proteção do Parque Nacional Madidi, localizado na região noroeste da Bolívia. A missão dele é rastrear e combater o comércio ilícito desse felino. Na América do Sul, a prática tem sido recorrente, e o principal destino é o mercado chinês. 

As partes dos animais – cabeças, peles e crânios – são a matéria-prima de artigos de luxo e produtos medicinais usados na cultura asiática e, portanto, muito valorizados. A cineasta Elizabeth Unger expõe os crimes contra a vida selvagem e revela as tradições da medicina chinesa que alimentam o massacre das espécies e fomentam o mercado negro. 

Unger acompanhou por seis meses a árdua missão de Uzquiano de proteger as onças. A jornalista de Hong Kong Laurel Chor faz parte do enredo como investigadora do outro lado do mundo, em Mianmar e na China.

Marcos Uzquiano, chefe de proteção do Parque Nacional Madidi, na Bolívia. Junho 2021. (Foto: Divulgação – Tribeca)

Rastreio de presas

Uzquiano soube do tráfico de presas e de outras partes de onças-pintadas em 2014, e no ano seguinte começou a monitorar o delito. “Decidi iniciar um programa de monitoramento e pesquisa para saber mais sobre essa nova ameaça à onça, a fim de conferir a verdade. Saber quem estava traficando partes da onça e por quê”, afirmou à Forbes.

“Em 2015, quando algumas pessoas me informaram sobre pacotes de dentes de onça em grande quantidade que estavam sendo vendidos para a China, eu percebi que a comunidade internacional não se importava muito”, disse Unger ao canal Nature League. 

Cabeças de onça encontradas em operação de tráfico de animais silvestres em Curionópolis, Pará, agosto de 2016 (Foto: Reprodução/Ascom/Polícia Civil)

“Quando as pessoas assistem ao filme, dizem duas coisas: que é bonito e emocionante. Então, eu espero que se sensibilizem mesmo e que [o filme] se torne uma campanha de impacto para que as pessoas se interessem, se apaixonem e lutem de verdade contra esse problema”, declarou a cineasta.

Parque Madidi

O Parque Nacional Madidi tem quase 19 mil quilômetros quadrados e abriga mais de 20 mil espécies de plantas, segundo a Global Alliance Of National Parks (Aliança Global dos Parques Nacionais, da sigla em inglês). A reserva também é rica em vida selvagem, com mais de 120 mil espécies de insetos e cerca de 1,2 mil espécies de pássaros. Existem ainda centenas de espécies de mamíferos, anfíbios, répteis e peixes.

Rede de tráfico

Na América do Sul, o Brasil é a principal rota do tráfico de ossadas de onças com destino à Ásia. A fragilidade de fiscalização nas fronteiras latino-americanas fomenta esse tipo de crime, de acordo com Carlos Durigan, diretor da organização WCS (Wildlife Conservation Society) no Brasil.

“A falta de um trabalho de inteligência mais aprimorado faz com que a fiscalização não identifique os potenciais consumidores desse tráfico, o que impede um trabalho de sensibilização”, disse Durigan a A Referência.

Cerca de 800 onças-pintadas, onças-pardas e jaguatiricas foram mortas para o contrabando de dentes, peles e crânios entre 2012 e 2018. Os dados, porém, englobam apenas as cargas interceptadas. As carcaças que não são enviadas aos países asiáticos ficam na América Latina para atender a trabalhadores migrantes – em especial da China. São cidadãos envolvidos em megaprojetos, como estradas e barragens, que aumentaram dez vezes desde 2010.

Onça pintada vítima do tráfico mantida em zoológico de Gramado, Brasil, janeiro de 2012 (Foto: Divulgação/Fábio Grison)

Artigos de luxo

Entre 2019 e 2020, uma investigação do watchdog Traffic mostrou zonas econômicas criadas para facilitar o comércio entre a China e vizinhos do sudeste asiático. Estas redes facilitam o tráfico de animais silvestres na região.

Os pesquisadores identificaram mais de mil pontos em vilas e cidades de Laos, Tailândia, Vietnã, Mianmar e Camboja com cerca de 78 mil peças e produtos de animais selvagens à venda. Mais de 70% dos itens derivavam de elefantes, sobretudo produtos de marfim. Produtos derivados de grandes felinos também foram identificados na investigação.

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