Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News
Com mais de 2.526 mulheres assassinadas nas últimas três décadas – de 1993 a 2023 – e centenas desaparecidas, Ciudad Juárez continua sendo a cidade mais mortal para as mulheres no México.
A ativista local Norma Andrade, que esteve recentemente no Escritório da ONU em Genebra para conscientizar sobre o feminicídio, conhece o problema de perto. Sua própria filha, Lilia Alejandra, foi assassinada naquela mesma cidade mexicana em 2001.
“Como minha neta resumiria: nós valemos um amendoim – o que, em outras palavras, significa que uma mulher é simplesmente descartável”, disse ela à ONU News.
“Em um dia, ela estava trabalhando em uma fábrica, no dia seguinte desapareceu, no outro foi encontrada morta, enquanto outra pessoa já a substituiu no trabalho, então [a morte dela] é importante apenas para sua família – não para a sociedade, não para o governo, muito menos para as autoridades ou para a empresa”, explicou.
A impunidade é generalizada
De acordo com Andrade, o fato de Juárez ser um ponto-chave de travessia de fronteira com os Estados Unidos contribui para a falta de enraizamento comunitário, o que desumaniza a população e torna mais difícil combater o crime de feminicídio.
Mas o problema não se limita a Juárez. Em todo o México, cerca de dez mulheres e meninas são mortas todos os dias por parceiros íntimos ou outros membros da família, segundo dados do governo.
Desde 2001 – ano em que Lilia Alejandra foi assassinada – 50 mil mulheres foram mortas, enquanto a taxa de impunidade excede 95%.
Além disso, apenas 2% dos casos resultam em uma sentença criminal e apenas uma em cada 10 vítimas se atreve a denunciar seu agressor.

Não há justiça
Andrade sobreviveu a duas tentativas de assassinato nos 23 anos desde que o corpo de sua filha foi encontrado, enquanto continua sua busca por justiça.
“No México, o número crescente de desaparecimentos é real, mas este boom no crime organizado e no tráfico de drogas apagou o que está acontecendo com as mulheres, não que tenha parado de acontecer, mas está se tornando invisível…”, disse ela.
Falando sobre a falta de justiça, ela disse que, mesmo quando os restos mortais de uma jovem desaparecida são encontrados, isso é um “feito”, pois dá encerramento às suas famílias. “Dá a elas um lugar para ir e lamentar sua filha”, acrescentou.
Desde o desaparecimento de sua filha, Andrade tem lutado por justiça.
“Recentemente, um especialista me fez enxergar uma realidade que eu não havia visto nos últimos 23 anos, uma que eu não queria aceitar: talvez eu não encontre justiça para Alejandra. Ou pelo menos não a justiça legal que eu quero, que colocaria os agressores de Alejandra na prisão”, enfatizou.
Seu caso foi transferido para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, localizada na Costa Rica, em dezembro de 2023.
Justiça simbólica
“Talvez possamos encontrar uma justiça moral ou simbólica”, disse Andrade, “porque, no momento em que o Estado mexicano recebe uma sentença criminal […] reconhece publicamente que não protegeu Alejandra, nem todas as Alejandras do país, nem todas aquelas crianças que ficaram órfãs quando suas mães foram assassinadas; e isso aliviaria, até certo ponto, a falta de justiça legal”.
Culpando a falta de vontade política, Andrade, que também é cofundadora de uma associação sem fins lucrativos de mães cujas filhas foram vítimas de feminicídio em Ciudad Juárez, acrescentou que as mães são aquelas que “nadam contra a corrente”.
Apoiadas por outras mulheres, acadêmicas, feministas e a sociedade civil, elas são aquelas “que devem ir, protestar e levantar suas vozes para serem ouvidas”, disse ela.
Nos últimos anos, os crimes desencadearam várias ondas de protestos e colocaram a violência de gênero no topo da agenda política do México.
Manter a questão do feminicídio em evidência e tornar a informação acessível para as mulheres é fundamental para responsabilizar as autoridades e prevenir a violência contra mulheres e meninas.
Desde 2011, a ONU Mulheres, em parceria com instituições estatais-chave, tem publicado estudos periódicos analisando o alcance, as tendências e as características do feminicídio no país.
‘Olhem para nós’
Andrade é destaque no documentário Norma, em busca de justiça, dirigido pela jornalista francesa Brigitte Leoni, que foi exibido em Genebra antes do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, em 25 de novembro.
Ela espera que o documentário traga mais visibilidade para os casos de desaparecimento, observando que “este boom no crime organizado fez as pessoas fugirem, cruzando para os Estados Unidos, e o tráfico de drogas tornou o que está acontecendo com as mulheres invisível”.
Falando em Genebra, sede do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), a ONU News perguntou a Andrade que mensagem ela gostaria de compartilhar com especialistas em direitos.
“Olhem para nós, olhem para as mães. Venham aqui e vejam as famílias e não fiquem apenas com a imagem que o governo apresenta ao mundo exterior”, disse ela.
Feminicídio transcende fronteiras
A violência contra mulheres é uma crise global, de acordo com um relatório da ONU Mulheres e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), publicado no Dia Internacional.
A comemoração marca o início dos 16 Dias de Ativismo contra a Violência de Gênero, uma campanha anual que vai até 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos.
Dados regionais mostram que o feminicídio transcende fronteiras, status socioeconômico e culturas, mas sua gravidade varia.
A África registrou as maiores taxas de feminicídios relacionados a parceiros íntimos e familiares, com 21.700 mulheres assassinadas em 2023, seguida pelas Américas e Oceania.
Na Europa, 64% das vítimas foram mortas por seus parceiros íntimos; nas Américas, o índice foi de 58%.
Em contraste, mulheres na África e na Ásia têm maior probabilidade de serem mortas por membros da família do que por seus parceiros.
O relatório revelou que, globalmente, 140 mulheres e meninas morreram todos os dias nas mãos de seus parceiros ou parentes próximos em 2023 – uma mulher morta a cada 10 minutos.