Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site Americas Quarterly
Por Laura Tedesco e Rut Diamint
Ultimamente, a autoridade norte-americana mais visível na América Latina e no Caribe tem sido, sem dúvida, a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, com sede em Miami, conhecido como SouthCom.
Desde que se tornou a primeira mulher a assumir o cargo em 2021, Richardson tem sido muito ativa, inclusive em questões fora da esfera militar tradicional. No Uruguai, em fevereiro, Richardson se encontrou com autoridades de defesa e do Ministério das Relações Exteriores e doou 40 dispositivos respiratórios para fortalecer as capacidades de resposta a desastres do país. No Panamá, um mês antes, ela participou de discussões sobre segurança de fronteira, segurança cibernética e outros assuntos.
Outras viagens recentes levaram Richardson à Colômbia para discutir a parceria de segurança com o ex-presidente Gustavo Petro, na Argentina, para se encontrar com a então vice-presidente Cristina Fernández e, em uma viagem separada ao sul, discutir planos para um possível polo logístico na Terra do Fogo. O SouthCom doou pacotes de reidratação oral para o Haiti, móveis e medicamentos para El Salvador, bem como hospitais de campanha para a Costa Rica. Em seus comentários públicos, Richardson enfatizou a necessidade de aprofundar a cooperação com a região e demonstrou preocupação com a crescente influência da China. Ela também deixou claro que a América Latina é importante para os EUA em parte por causa da necessidade de recursos naturais, incluindo lítio.
Richardson tem sido uma emissária capaz. Mas ainda vale a pena perguntar: se Washington está genuinamente preocupado em perder influência para Beijing na América Latina, por que relegou tanto de seu relacionamento com a região a uma instituição militar como o SouthCom?
Nos últimos anos, a liderança civil dos EUA perdeu inúmeras oportunidades de fortalecer os laços com a América Latina, como Shannon O’Neil escreve em sua excelente análise na revista Foreign Affairs. Como O’Neil observa, 11 países da região se inscreveram na chamada Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica, lançada pelo governo Biden em junho de 2022 como um fórum para discutir cadeias de suprimentos, sustentabilidade, anticorrupção e outros assuntos econômicos. No entanto, 21 países atualmente pertencem à iniciativa chinesa Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative). Outras métricas destacando a perda de influência dos EUA na região são abundantes.
Falta de engajamento
Está claro que o principal déficit de Washington com a América Latina e o Caribe hoje é político e econômico, e não militar. No entanto, o presidente Joe Biden só esteve na região uma vez durante seu mandato. O secretário de Estado Antony Blinken viajou com mais frequência, incluindo para o México (com o qual os EUA têm uma relação comercial única) e para o Rio de Janeiro em fevereiro como parte do grupo G-20, que o Brasil atualmente preside. Mas, em praticamente todas as capitais da região, você ouve o mesmo refrão: houve uma falta de engajamento político e diplomático dos EUA com o Hemisfério Ocidental nos últimos anos.

Dada essa realidade, o SouthCom parece estar tentando preencher a lacuna. De fato, a estratégia do SouthCom para 2017-2027 afirma que ele fará parcerias com a sociedade civil, o setor acadêmico, o setor privado e outras organizações para melhorar a governança e a resiliência da comunidade, ao mesmo tempo em que amplia as oportunidades sociais e econômicas para ajudar populações vulneráveis. Também enfatiza a necessidade de resistir à corrupção, redes ilícitas e atores externos perversos. Significativamente, o documento afirma claramente que a Rússia e a China são uma ameaça à estabilidade política na região. A Rússia enfraquece a estabilidade política por meio de extensas campanhas de desinformação. O documento também aponta a importância das operações criminosas transnacionais que criam um contexto político e econômico que Moscou e Beijing podem explorar.
O Programa de Assistência Humanitária do SouthCom está preparado para dar ajuda em caso de desastres naturais. Ele pode montar centros de operação de emergência, abrigos e escolas. Ele também está preparado para dar suporte ao desenvolvimento de infraestrutura civil necessária para reformas econômicas e sociais e melhorar as condições de vida de regiões empobrecidas.
As razões pelas quais muitos desses programas estão nas mãos das Forças Armadas não são claras. Paradoxalmente, muitas das atividades realizadas pelo SouthCom na América Central ou do Sul não podem ser feitas pelos militares nos EUA devido às limitações do Posse Comitatus Act, a lei federal de 1878, atualizada em 2021, que limita os poderes do governo federal no uso de pessoal militar federal para impor políticas domésticas dentro dos Estados Unidos. Essa justaposição não é perdida pelos líderes civis em grande parte da América Latina.
A dependência de interlocutores militares faz ainda menos sentido, dadas as preocupações expressas pelo governo Biden sobre o retrocesso democrático em partes da América Latina. Em um momento em que os militares estão mais uma vez ganhando influência política em alguns países, faz ainda menos sentido que um soldado uniformizado seja o principal emissário para a região.
Há um paradoxo adicional: por 20 anos, prevaleceu uma visão da região focada em narcóticos. Vários departamentos do governo dos EUA até falam do narcoterrorismo como o problema central na América Latina. O SouthCom ocasionalmente interveio em apoio a essas iniciativas. No entanto, o comando parece estar mais dedicado a políticas sociais e contatos com as mais altas esferas políticas da América Latina.
Não há dúvida de que a segurança é extremamente importante para todos os países. No entanto, esta não é a única questão na América Latina. Um guarda-chuva mais explícito e manifesto que inclua o SouthCom, mas tenha uma participação mais enérgica e pública de outras partes do governo dos EUA, ajudaria a promover os interesses de Washington e, mais criticamente, dos cidadãos da região. No final das contas, o SouthCom às vezes parece a única instituição pública com laços permanentes com o Hemisfério Ocidental, o que significa que o relacionamento político entre os EUA e seus vizinhos do sul está nas mãos dos militares.