Nos últimos anos, a China se estabeleceu como o segundo maior parceiro comercial da América Latina e aumentou significativamente seu envolvimento em projetos de infraestrutura, gerando preocupação na Europa e nos Estados Unidos. No entanto, a relação está longe de ser a ideal. A crescente influência de Beijing na região também carrega desvantagens. E isso respinga insatisfação, por exemplo, entre os comerciantes no Brasil. As informações são da Deutsche Welle.
Tomando a Guatemala como ponto de partida, recentemente, foi um choque para os exportadores locais ao saber que a China proibiu a importação de café e outros produtos guatemaltecos. Sem uma explicação oficial, o presidente Bernardo Arevalo supôs que a proibição estivesse relacionada aos laços do país com Taiwan. “Nós cuidaremos disso”, prometeu Arevalo.
Atualmente, além do Paraguai, a Guatemala é o único país latino-americano que mantém relações diplomáticas com Taiwan, que a China considera de seu território. Nos últimos anos, Honduras e Nicarágua romperam relações com a ilha semiautônoma e buscaram uma aproximação com Beijing.

O bloqueio de produtos guatemaltecos é um dos conflitos menores que começam a complicar a trajetória da China na América Latina, antes focada no crescimento. Vladimir Rouvinski, professor associado do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Icesi, em Cali, Colômbia, afirmou que a China usa isso como pressão contra Taiwan, não diretamente contra a Guatemala.
“Neste caso, a China claramente usa algo como alavancagem, e faz isso menos contra a Guatemala, mas sim contra Taiwan”, disse ele.
Na Costa Rica, o governo pediu que um dos gestores da fornecedora estatal de energia ICE deixasse a empresa após cerca de 70 funcionários de alto escalão terem participado de uma festa organizada pela gigante tecnológica chinesa Huawei.
Os sindicalistas ficaram surpresos, e o presidente do ICE, Mario Acuna, pediu mais sensibilidade em relação aos “procedimentos de contratação e diversos litígios” em andamento. Ele ressaltou que a conduta dos funcionários envolvidos pode prejudicar “a imagem da instituição e também a nossa reputação”.
As relações entre a Costa Rica e a Huawei estão tensas após o presidente Rodrigo Chaves adotar a Convenção de Budapeste sobre crimes cibernéticos, não assinada pela China, como padrão para o envolvimento econômico no país.
Brasil
O Brasil implementou um imposto de 20% sobre importações chinesas, visando conter o influxo de produtos de baixo custo, especialmente aqueles adquiridos através de plataformas de comércio eletrônico estrangeiras com valor inferior a 50 dólares (R$ 264).
A decisão foi recebida com surpresa pelo gigante chinês de varejo online AliExpress, que argumentou que a medida afetaria principalmente os consumidores de baixa renda e poderia desestimular o investimento estrangeiro.
No setor têxtil, há uma crescente indignação com os fornecedores chineses, acusados de competir de forma desleal e expulsar empresas locais do mercado. Entre eles, conglomerados como a Shein.
Vantagem pra quem?
Christian Hauser, especialista em América Latina da Universidade de Ciências Aplicadas em Grisões, Suíça, ressaltou que os desafios e riscos relacionados à ascensão da China como um ator dominante em diversas áreas econômicas e tecnológicas estão se tornando cada vez mais evidentes na América Latina.
Hauser ainda destacou que várias sociedades latino-americanas estão se dando conta que foi principalmente Beijing quem se beneficiou das relações econômicas da região com a China. Ele enfatizou que, portanto, as críticas atuais às práticas comerciais chinesas podem se intensificar ainda mais.
O especialista também sublinhou que os países latino-americanos fortemente envolvidos na rivalidade geopolítica entre os EUA e a China, o que pode resultar em tensões futuras, como já observado entre Guatemala, Costa Rica e China.
Uma exceção, segundo Hauser, é a Nicarágua, que mantém relações aparentemente sólidas com a China, apesar de críticas internas sobre concessões de mineração para empresas chinesas.