Rússia se rebela, dá mais fôlego à atual corrida nuclear e é confrontada inclusive pelo Brasil

Moscou abandona tratados, ouve críticas do Ocidente e motiva até os EUA a retomarem o investimento em armas de destruição em massa

Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, a ameaça nuclear global aumentou consideravelmente, com uma quantidade maior de ogivas à disposição das Forças Armadas das grandes potências. Como se a situação já não fosse tensa o bastante, a Rússia decidiu se rebelar, abandonando em outubro o Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT, da sigla em inglês) e simulando, na sequência, um ataque com armas de destruição em massa. A decisão, que foi criticada por entidades e governos, entre eles o do Brasil, tende a gerar desdobramentos, dando ainda mais fôlego à atual corrida nuclear.

Ao justificar sua decisão de revogar a ratificação do CTBT, Moscou argumentou que os Estados Unidos também não o haviam ratificado, embora tenham assinado. “Lamentavelmente, não há indicações visíveis de que os EUA irão seguir este caminho (o da ratificação). Por isso, não temos outra escolha que não equilibrar a nossa posição”, disse em outubro o vice-ministro das Relações Exteriores, Sergei Ryabkov.

Na ocasião, a decisão foi alvo de críticas inclusive do governo brasileiro. “O Brasil lamenta a decisão da Rússia de revogar a sua ratificação do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (CTBT, na sigla em inglês), anunciada no último dia 2 de novembro”, disse o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, citando a data em que a decisão foi assinada pelo presidente Vladimir Putin.

Washington, por sua vez, se manifestou através do Departamento de Estado, dizendo-se “profundamente preocupado” com a decisão. “Continuaremos a sublinhar a irresponsabilidade da recente retórica da Rússia relativamente aos testes explosivos de armas nucleares e ao CTBT. Isto dá continuidade ao esforço perturbador e equivocado de Moscou para aumentar os riscos nucleares e aumentar as tensões à medida que prossegue a sua guerra ilegal contra a Ucrânia“, diz comunicado do órgão.

Quem também se pronunciou foi a Otan (Organização do tratado do Atlântico Norte). “A revogação da ratificação do CTBT pela Rússia é mais um exemplo de como o presidente Putin volta atrás em compromissos livremente assumidos pela Rússia e mina os esforços internacionais de controle de armas, desarmamento e não-proliferação. Mais uma vez, Vladimir Putin toma medidas imprudentes que desestabilizam ainda mais paz e segurança globais e ameaçam a ordem internacional baseada em regras”, disse o presidente da Assembleia Parlamentar da aliança, Michal Szczerba.

Míssil russo com capacidade nuclear (Foto: reprodução/Facebook)
Arsenal nuclear de prontidão

Antes mesmo da assinatura de Putin, porém, a Rússia deixou claro que já tinha seu arsenal nuclear de prontidão, reflexo da tensão com o Ocidente que foi ampliada com a guerra da Ucrânia. Horas após a câmara alta do parlamento local confirmar a revogação da ratificação, um exercício militar que incluiu um ataque nuclear simulado foi realizado sob a supervisão do presidente.

De acordo com o ministro da Defesa Sergei Shoigu, o objetivo foi simular “um ataque nuclear massivo com forças ofensivas estratégicas em resposta a um ataque nuclear do inimigo.” Putin supervisionou as manobras por videoconferência, segundo mostrou um vídeo da televisão estatal russa.

Segundo o Itamaraty, entretanto, havia uma garantia de que ao menos os testes com armas de destruição em massa não aconteceriam. “O Governo brasileiro tomou nota do anúncio do Governo russo de que, a despeito da anulação da ratificação do CTBT, o país não pretende retomar a realização de ensaios nucleares”, afirmava a mesma nota.

Mas a promessa feita a Brasília não se sustenta. O próprio presidente russo disse, por ocasião da assinatura que derrubou a ratificação, que “não estava pronto” para discutir se realizaria testes nucleares ou não, de acordo com o site Politico.

Na sequência, Moscou abandonou também um acordo de cooperação com o Japão para desmantelamento de armas nucleares, assinado em 1993. Segundo o jornal The Japan Times, o secretário-chefe de gabinete japonês, Hirokazu Matsuno, classificou a decisão como “unilateral” e “lamentável”, acrescentando que foi tomada “sem notificação prévia.”

A isso se seguiram as já habituais ameaças provenientes de aliados de Putin, que frequentemente usam o arsenal nuclear do país para ameaçar os rivais. Um dos falastrões maias ativos é o jornalista e analista político pró-Kremlin Vladimir Solovyov. Em recente debate na emissora Rossiya-1, ele disse que uma guerra nuclear é “inevitável”, de acordo com a revista Newsweek.

Mas não são apenas ameaças que colocam o mundo em alerta. Há também manobras práticas. Segundo o canal de televisão do Ministério da Defesa russo, um míssil balístico intercontinental com capacidade nuclear, acoplado a um veículo hipersônico, foi carregado em um silo no sul do país, de acordo com a agência Al Jazeera. O artefato é capaz de viajar a uma velocidade de até 27 vezes a velocidade do som, o que torna os sistemas de defesa antiaéreos indefesos.

O mundo em alerta

As recentes movimentações levam analistas a alertar para o risco ampliado de um conflito nuclear. “Não há dúvida de que estamos numa situação em que o sistema de segurança que foi tão laboriosamente construído nos anos da Guerra Fria está sendo destruído”, disse à revista Time Rose Gottemoeller, principal negociadora dos EUA para o Novo START, o último grande acordo nuclear entre o EUA e Rússia.

Steven Pifer, especialista em controle de armas do Instituto Brookings, diz que os líderes atuais parecem pouco preocupados com a possibilidade de uma guerra que venha a levar à aniquilação da humanidade. E, segundo ele, a coisa pode piorar, com os EUA dispostos a entrar na corrida que ainda tem Beijing, país que mais investe em armas nucleares atualmente.

“Podemos passar por um período de corrida armamentista com a Rússia e a China antes de nos lembrarmos das lições que aprendemos com a União Soviética na década de 1960”, diz Pifer. “Em algum momento, você acumula mais armas, mas elas não aumentam sua segurança.”

Jon Wolfsthal, ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, diz que a solução depende exclusivamente das superpotências. “A esperança é que os nossos líderes sejam suficientemente inteligentes para perceber que não deveríamos ter de passar por uma crise existencial para chegar a um resultado de bom senso.”

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