Ao menos 23 menores foram mortos durante a repressão aos protestos no Irã, diz ONG

Anistia Internacional identificou 20 meninos com idades entre 11 e 17 e três meninas, duas com 16 anos e uma com 17 anos, entre as vitimas

As forças de segurança do Irã mataram ao menos 23 menores de 18 anos durante a violenta repressão aos protestos populares desencadeados pela morte da jovem Mahsa Amini pelas mãos da “polícia da moralidade”, no dia 16 de setembro. Os números foram divulgados pela ONG Anistia Internacional.

A entidade inclui na lista somente as vítimas identificadas pelo nome e cujas mortes foram devidamente apuradas, o que sugere a possibilidade de que haja mais casos não registrados. São 20 meninos com idades entre 11 e 17 e três meninas, sendo duas com 16 anos e uma com 17 anos.

“A maioria dos meninos foi morta por forças de segurança que dispararam ilegalmente munição real contra eles. Dois meninos morreram após serem atingidos por balas de metal à queima-roupa, enquanto três meninas e um menino morreram após espancamentos fatais pelas forças de segurança”, diz relatório da ONG.

No total, foram registradas 144 mortes nos protestos entre 16 de setembro, dia em que Mahsa foi morta, e 3 de outubro, sendo que 16% das vítimas são menores de idade.

Criança no cenário de destruição em meio aos protestos no Irã (Foto: reprodução/Twitter)

Heba Morayef, diretora regional da Anistia para Oriente Médio e Norte da África, afirma que Teerã ignora “todos os pedidos para cessar o uso ilegal da força e processar os responsáveis ​​por assassinatos ilegais, desaparecimentos forçados, tortura e outros maus-tratos de manifestantes, transeuntes e pessoas privadas de liberdade”. E questiona a falta de uma iniciativa global para tentar frear a violenta repressão

“Se a comunidade internacional fosse uma pessoa, como olharia essas crianças e seus pais nos olhos? Abaixaria a cabeça envergonhada por sua inação contra a impunidade generalizada desfrutada pelas autoridades iranianas por seus crimes sistemáticos e graves violações dos direitos humanos”, disse Morayef.

A Anistia diz que algumas mortes foram registradas em vídeo. Entre as imagens, foi possível apurar que um menino de 11 anos, Javad Pousheh, foi baleado na nuca com munição real. No dia 30 de setembro, o mais violento, sete das crianças foram mortas na província de Zahedan com tiros no coração, na cabeça ou em outros órgãos vitais. Entre os menores mortos há um menino e uma menina afegãos.

Impunidade sistemática

Há denúncias de que agentes estatais tentam encobrir a violência estatal por trás das mortes, como no caso de um jovem de 17 anos morto a tiros. Fontes que preferem se manter anônimas dizem que o pai dele foi forçado a gravar um vídeo alegando que o filho morreu em um acidente de carro. Casos semelhantes ocorreram com familiares de duas meninas mortas pelas autoridades.

“As autoridades iranianas estão sistematicamente assediando e intimidando as famílias das vítimas para esconder a verdade de que [as autoridades] têm sangue de crianças em suas mãos. Esses métodos desprezíveis sublinham ainda mais a escala e a depravação da repressão das autoridades iranianas e fornecem mais provas de que todos os caminhos para a verdade e a justiça estão fechados em nível doméstico”, disse Morayef.

Segundo a ONG, tais episódios expõem a “profunda crise de impunidade sistêmica para os crimes mais graves sob o direito internacional que prevalecem há muito tempo no Irã”. A entidade cita a falta de uma ação contundente do Conselho de Direitos Humanos da ONU como catalizador do problema.

Segundo a ONG, é preciso criar um mecanismo internacional de investigação e responsabilização para “coletar, consolidar, preservar e analisar evidências dos crimes mais graves sob o direito internacional cometidos no Irã”. 

Por que isso importa?

Os protestos populares tomaram as ruas do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

De acordo com a ONG, em ao menos 13 cidades do Irã foram registrados casos de uso de força excessiva ou letal pelo governo. O relatório cita vídeos divulgados na internet que mostram agentes estatais usando rifles, espingardas e revólveres indiscriminadamente contra a multidão, “matando e ferindo centenas”.

Além dos mortos e feridos, a ONG destaca os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. E cita também o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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