Censura transforma filmes estrangeiros em artigo raro nos cinemas da China

Redução do número de obras liberadas mostra que o presidente Xi Jinping deseja isolar culturalmente o país do resto do mundo

Numa demonstração de como as autoridades chinesas são implacáveis com os filmes estrangeiros no maior mercado cinematográfico do mundo, em 2022, os censores do Partido Comunista Chinês (PCC) reduziram drasticamente o número de obras produzidas no exterior liberadas para exibição na China. As informações são da rede Radio Free Asia.

De janeiro a outubro deste ano, os espectadores chineses só puderam assistir a 38 filmes estrangeiros, uma queda acentuada se comparada aos 73 de 2021 e 136 em 2019. O gesto sinaliza que o presidente Xi Jinping, que iniciou um terceiro e inédito mandato, deseja isolar culturalmente a nação do resto do mundo.

Um exemplo é Avatar 2: O Caminho da Água, um dos lançamentos mais aguardados do ano e que tem estreia prevista para dezembro nos cinemas brasileiros. Relatórios da indústria informaram que o blockbuster de James Cameron foi aprovado em uma revisão inicial pela agência estatal chinesa de rádio, cinema e televisão. Porém, após esse processo, ainda não recebeu uma licença de apresentação pública, ficando em uma espécie de limbo no processo de censura chinês.

Salas vazias têm sido cenário comum por conta de políticas sanitárias de enfrentamento à Covid-19 (Foto: byronv2/Flickr)

De acordo com vice-ministro de Propaganda, Sun Yeli, “a queda nas importações de filmes estrangeiros se deve a vários fatores”, disse ele em uma entrevista em agosto, dando a entender que “padrões mais altos” estão sendo aplicados aos filmes americanos.

“Nosso princípio, posição e atitude em relação às trocas entre as indústrias cinematográficas chinesa e estrangeira são consistentes, claros e permanecem inalterados”, disse Sun.

Dados públicos organizados pelo influente blog de cinema chinês Theatrical Film Database retratam o mercado cinematográfico chinês como cada vez mais isolado e fora de sincronia com o resto do mundo, segundo a revista de entretenimento Variety.

Políticas protecionistas ficam claras nos argumentos de Sun, que sustenta que os produtores de filmes precisam “respeitar as culturas, tradições e interesses do público” e produzir filmes de “maior qualidade”.

“Estamos prontos para apresentar filmes estrangeiros de qualquer país, desde que possam produzir bons filmes que atendam às necessidades e interesses do público chinês”, disse Sun em comentários citados pelo jornal chinês China Daily na época.

Um professor da província oriental de Zhejiang, que falou sob condição de anonimato, disse que o PCC teme que produções estrangeiras impactem negativamente nas crianças.

“Os filmes estrangeiros mostram valores e atitudes estrangeiras em relação à vida, o que pode ter um efeito sutil sobre as pessoas na China”, disse o professor. “Eles querem que as pessoas sejam totalmente obedientes ao Estado e que os indivíduos pertençam ao Estado”.

Além disso, os bloqueios sanitários da política de “Zero Covid” de Xi foram responsáveis por um cenário de filme de terror na indústria cinematográfica nacional, segundo Huang He, especialista da indústria de distribuição de filmes.

“Toda a indústria está moribunda. Apenas 60% dos cinemas do país estão abertos no momento”.

Mudança de roteiro

Filmes estrangeiros estão sujeitos a mais camadas de censura e crítica do que filmes produzidos internamente, com produtores de Hollywood muitas vezes dispostos a fazer mudanças substanciais em um filme para driblar o crivo dos censores.

Em alguns casos, a própria censura chinesa altera o roteiro de obras estrangeiras, como foi o caso de Clube da Luta (1999), que teve retirada a mensagem anárquica e anticapitalista da obra para dar lugar a uma vitória da polícia. Na versão exibida pela plataforma de streaming Tencent Video, o caos urbano é trocado por uma mensagem na tela que informa que as autoridades salvaram o dia em cima da hora. “A polícia rapidamente descobriu todo o plano e prendeu todos os criminosos, evitando com sucesso a explosão da bomba”.

Já no filme ‘Bohemian Rhapsody‘ (2019), que aborda a trajetória da banda Queen focando na vida pessoal de seu vocalista Freddie Mercury, diversas cenas que retratavam a homossexualidade do artista foram eliminadas na versão chinesa.

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