China estaria coletando DNA de uigures para programa de extração forçada de órgãos

Beneficiários seriam muçulmanos de países árabes que buscam órgãos de pessoas que sigam os mesmos preceitos religiosos

O governo da China vem coletando material genético de muçulmanos uigures como parte de um grande programa estatal de extração forçada de órgãos, cujos beneficiários seriam outros muçulmanos de países árabes. A denúncia foi feita por especialistas que participaram de uma audiência no Congresso dos EUA na quarta-feira (20), segundo informou a rede Radio Free Asia (RFA).

De acordo com os denunciantes, que falaram à Comissão Executiva do Congresso sobre a China, cidadãos muçulmanos se dispõem a pagar prêmios em dinheiro para receber órgãos de pessoas com as mesmas crenças religiosas, que por isso não consomem álcool nem carne de porco.

Ethan Gutmann, pesquisador da Fundação Memorial das Vítimas do Comunismo, que escreveu um livro sobre a questão, diz que há uigures retirados de Xinjiang pelas autoridades chinesas e mortos para que seus órgãos sejam extraídos.

Mercado muçulmano em Xinjiang, frequentado pela minoria uigur (Foto: Maxpixel/Divulgação)

A denúncia de que a China tem um grande programa de extração forçada de órgãos é antiga. Inicialmente, ela colocava como vítimas os praticantes do Falun Gong, movimento com base no budismo e no taoísmo que sofre uma campanha nacional do Partido Comunista Chinês (PCC) destinada a erradicar sua prática. Hoje, porém, os uigures seriam os mais atingidos.

“A questão da remoção sistemática, generalizada e não consensual de órgãos humanos para transplante, ou ‘extração de órgãos’, na República Popular da China (RPC ou China) é uma preocupação global que tem crescido desde a publicação do julgamento final do tribunal independente para extração forçada de órgãos de prisioneiros de consciência na China em 2020”, disse a Comissão Executiva.

Segundo Gutmann, os uigures passaram a ser alvo justamente devido ao grande interesse de outros muçulmanos por doadores que sigam os mesmos preceitos religiosos. Com a coleta de material genético em grande escala, Beijing teria, ainda de acordo com o pesquisador, formado um banco de dados com potenciais doadores de órgãos.

“Beijing realizou testes de tipagem sanguínea e de DNA em massa em vastas partes da sua população uigur sob o lema dos ‘exames de saúde’”, disse na audiência Matthew Robertson, doutorando na Universidade Nacional Australiana, em Canberra. “Não há nenhuma restrição institucional para que esses dados sejam utilizados para usos predatórios, como a comparação de órgãos.”

Robertson admitiu que as descobertas, isoladamente, não bastam para provar que a extração forçada de órgãos de uigures esteja ocorrendo. Acrescentou, entretanto, que “o tipo sanguíneo é uma pré-condição necessária para a correspondência de órgãos, e os dados de DNA permitem melhores correspondências de órgãos.” E concluiu que a coleta de material genético por si só é uma prática “altamente preocupante”, dado o “histórico de assassinato de prisioneiros por seus órgãos” na China.

Denúncia antiga

As primeiras denúncias de extração forçada de órgãos pelo governo chinês remetem a 2006. Foram feitas por David Kilgour e David Matas, que mais tarde foram nomeados para o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho. À época, a ONU (Organização das Nações Unidas) disse que não conseguiu apurar as denúncias devido à falta de colaboração de Beijing.

Entretanto, em junho de 2021, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) trouxe a questão à tona novamente. Especialistas em direitos humanos convocados pela entidade teriam recebido “informações credíveis” de que a prática ocorre no país asiático.

Em março de 2023, a questão foi citada no relatório anual de direitos humanos do Departamento de Estado norte-americano e passou a ser debatida pelos legisladores dos EUA. O documento destacava um artigo de abril de 2022, da revista médica American Journal of Transplantation, dizendo que “a China viola a ‘regra do doador morto’, segundo a qual um doador de órgãos deve ser formalmente declarado morto antes que qualquer órgão seja removido.”

Os autores daquele artigo dizem ter analisado 2.838 publicações sobre transplantes de órgãos em chinês. “Encontramos evidências em 71 dessas publicações, espalhadas por todo o país, de que a morte encefálica não poderia ter sido declarada adequadamente. Nesses casos, a retirada do coração durante a captação do órgão deve ter sido a causa próxima da morte do doador”, diz a revista.

Escala industrial

Posteriormente, outro artigo, este publicado em julho de 2022 por professores da Universidade McMaster, do Canadá, afirmou que a extração forçada de órgãos não se limita à China, mas que a incidência é muito maior no país, onde a prática ocorre “em escala industrial”.

Segundo o texto, faz crescer a desconfiança o fato de que os transplantes na China aumentaram rapidamente no início dos anos 2000, mas isso não foi acompanhado de um aumento correspondente de doadores voluntários de órgãos.

Durante este período, os praticantes do Falun Gong “foram detidos, perseguidos e mortos em grande número pelo governo chinês. Da mesma forma, a China iniciou em 2017 uma campanha de detenção em massa, vigilância, esterilização e trabalhos forçados contra o grupo étnico uigur de Xinjiang”, diz o artigo.

As autoridades chinesas do setor de transplante de órgãos alegam que uma reforma significativa do sistema ocorreu desde 2015. Entretanto, de acordo com o artigo, assinado pelo professor Ali Iqbal e pela professora Aliya Khan, “evidências recentes sugerem que a prática bárbara da extração forçada de órgãos continua.”

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