Dezenas de jovens chineses, em sua maioria mulheres e jornalistas, ainda estão sob custódia das autoridades de Beijing, ou mesmo desaparecidos, após participarem de atos contra a rigidez da política “Zero Covid” no final do ano passado. As informações são da rede Radio Free Asia.
As manifestações pacíficas, que resultaram no fim das barreiras sanitárias, ocorreram em todo o país e ficaram conhecidas como “protestos A4”, já que muitos seguraram pedaços de papel em branco durante os atos para denunciar a censura imposta pelo regime local. Agora, os participantes parecem estar pagando a conta pela desobediência civil.
Segundo fontes familiarizadas com a repressão na capital chinesa, onde pelo menos 40 pessoas foram detidas, os protestos mais intensos aconteceram no dia 27 de novembro, no distrito de Liangmahe. A polícia ainda continuou a fazer prisões nos dias seguintes, em operações que se estenderam até meados de dezembro.
Em alguns casos, os indivíduos estão desaparecidos, vez que não há qualquer informação por parte do governo sobre a eventual detenção. Em outros, sabe-se que foram presos e encaminhados ao Centro de Detenção de Chaoyang.
Familiares dos detidos relatam que, muitas vezes, tiveram de permanecer em silêncio sobre o que aconteceu por conta da intimidação das autoridades. O número de manifestantes presos provavelmente é maior, já que protestos também ocorreram em Guangzhou, Chengdu, Wuhan e Xangai. Nesta última cidade, vídeos publicados na internet durante os dias dos tumultos mostram policiais uniformizados e à paisana rendendo manifestantes e colocando-os em ônibus em meio a gritos.
O estopim para os atos foi um incêndio que matou dez pessoas em novembro em um edifício em Urumqi, capital da região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, sede de repressões e perseguições sem precedentes à minoria étnica dos uigures. Parte da população atribuiu a culpa pela tragédia às restrições sanitárias, que teriam contribuído para as mortes. As autoridades negam.
Uma manifestante de Liangmahe é Cao Zhixin, que trabalha como editora na Editora da Universidade de Beijing. Ela contou à reportagem que a partir do dia 18 de dezembro a polícia começou a buscar “discretamente” aqueles que estiveram presentes no ato. Eles receberam avisos de detenção criminal, que não detalhavam para onde os detidos seriam levados.
“Nossas mães estão correndo no meio de uma pandemia, tentando descobrir por que fomos levados e onde estamos presos”, disse Cao. “Mas elas nem mesmo poderão nos trazer roupas para a época mais fria do ano em Beijing, porque não sabem onde estamos”.
Cao listou 13 pessoas que tinha conhecimento das prisões pela conta do Twitter @CitizensDailyCN. Desses nomes, a reportagem apurou que uma grande proporção é de mulheres, muitas delas jornalistas. Também há músicos, donos de bares e DJs entre os detidos.
Há outro perfis que têm sido alvos das autoridades, segundo relatou uma jornalista identificada como Chen. “Feministas, grupos LGBT e outros círculos subculturais que se reúnem nos bares de Beijing são realmente vulneráveis na China”, disse Chen. “Eles têm um forte senso de injustiça e discriminação”.
Chen escapou por pouco da detenção porque não pôde comparecer ao protesto. A mesma sorte não tiveram 20 pessoas do seu círculo, que estão desaparecidas ou detidas desde então. De dezembro para cá, a jornalista diz que vem trabalhando para aumentar a conscientização pública sobre as prisões relacionadas aos protestos.
Popularidade em queda
Na visão de Yang Jianli, um veterano ativista de direitos humanos, as detenções estão relacionadas ao fato de que os protestos A4 contribuíram para a queda do prestígio do presidente Xi Jinping.
“O poder daquelas folhas de papel em branco foi bastante considerável, porque reduziu o medo das pessoas do regime e de Xi Jinping”, disse Yang. “Embora Xi possa ter sido forçado a aceitar o fim da política de Covid Zero, ele ainda não pode tolerar a forma como essas opiniões foram expressas por meio de protesto”.
A maior onda de manifestações na China continental desde que Xi assumiu o poder há uma década foi classificada pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian como uma intervenção estrangeira para desestabilizar o país. “Forças com segundas intenções que vincularam o incêndio ao controle e prevenção de doenças”, disse ele.