Chineses que protestaram contra a política “Zero Covid” têm sido perseguidos pelas autoridades

Manifestantes que fizeram uma vigília pacífica contra as duras políticas sanitárias em novembro relataram como acabaram levados sob custódia pelas autoridades

Manifestantes que foram às ruas protestar contra a rigidez da política “Zero Covid” no final do ano passado revelaram que foram presos pelas autoridades chinesas. Antes do governo decretar o fim das barreiras sanitárias, simbolicamente, muitos seguraram pedaços de papel em branco durante os atos para denunciar a censura imposta pelo regime local. A conta pela desobediência civil já chegou para eles. As informações são da rede NPR.

O estopim para os atos foi um incêndio que matou dez pessoas em novembro em um edifício em Urumqi, capital da região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, sede de repressões e perseguições sem precedentes à minoria étnica dos uigures. Parte da população atribuiu a culpa pela tragédia às restrições sanitárias, que teriam contribuído para as mortes. As autoridades negaram.

A reportagem apurou que oito pessoas foram detidas em conexão com as manifestações pacíficas, apelidadas de “protestos A4”, realizadas em todo o país.

Manifestantes erguem cartazes em branco para protestar contra a censura (Foto: Twitter/reprodução)

Uma delas foi levada sob custódia na véspera de Natal, segundo relataram pessoas próximas. A mulher, que trabalha como editora em Beijing, foi presa na casa de sua família em Changsha, capital da província de Hunan. Ela enviou um vídeo a amigos antes de desaparecer nas mãos das autoridades.

“Deleguei a alguns amigos a tarefa de divulgar este vídeo depois que eu desaparecer. Quando você vir este vídeo, eu terei sido presa”, afirma a mulher de 26 anos nas imagens.

Antes de ser detida, no dia 27 de novembro, a editora e alguns amigos se reuniram em um ato organizado para lembrar as vítimas do incêndio de Urumqi. O protesto ocorreu ao longo do rio Liangma, que atravessa o centro de Beijing e passa por um calçadão comercial. A maioria dos participantes usava máscaras faciais para esconder suas identidades e como medida de proteção contra o coronavírus.

A maioria dos manifestantes sequer era ativista ou politicamente ativa. Em geral, eram simplesmente jovens profissionais que fizeram do ato um gesto humano.

“Se formos presos por expressar nossa simpatia, então quanto espaço nossas opiniões têm nesta sociedade?”, diz um deles.

Para identificar quem esteve perto do rio Liangma naquela noite de novembro, a polícia usou dados da torre telefônica, descobrindo quem estava nas imediações. Todos foram chamados ou receberam visitas de agentes estatais. A maioria acabou dispensada após algumas horas de interrogatório. O mesmo fim não teve a editora e seus amigos. Eles só foram libertados no dia 30.

Antes disso acontecer, em outubro, às vésperas do o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), que deu um inédito terceiro mandato ao presidente Xi Jinping, Beijing já dava mostras do que viria pela frente ao desaparecer com oposicionistas que poderiam potencialmente causar agitação social. Eles foram retirados da capital com prazo de retorno só 15 dias após o evento, evidenciando o crescimento vertiginoso da censura e da perseguição a dissidentes e ativistas em todo o país.

“A polícia precisa de uma teoria para explicar os protestos e eles estão tentando encontrar um organizador para culpar”, disse um amigo de um dos participantes da vigília presos, que falou sob condição de anonimato.

“Apenas bebendo”

Até mesmo quem não tinha nada a ver com o protesto teve de prestar contas à polícia. Como foi o caso de um fã de música eletrônica de 31 anos que estava em um bar na companhia dos amigos ao longo do rio Liangma e acabou preso por 24 horas.

“Eu bebo todo fim de semana, mas a polícia não acreditou que eu estava apenas bebendo lá. Eles acham que eu sou o organizador”, relatou. 

Desde o dia 18 de dezembro, muitos dos detidos anteriormente foram formalmente presos. Alguns foram acusados ​​do “crime de reunir uma multidão para perturbar a ordem pública”. Segundo Teng Biao, advogado de direitos humanos e professor da Universidade de Chicago, a pena por esse tipo de violação pode chegar a cinco anos.

A maior onda de manifestações na China continental desde que Xi assumiu o poder há uma década foi classificada pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian como uma intervenção estrangeira para desestabilizar o país. “Forças com segundas intenções que vincularam o incêndio ao controle e prevenção de doenças”, disse ele.

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