Especialista da ONU diz que evidências contra Jimmy Lai foram obtidas através de tortura

Principal testemunha da acusação no julgamento do empresário teria sido torturada no período em que esteve detida em na China

A relatora especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre tortura, Alice Jill Edwards, enviou uma carta às autoridades chinesas para abordar a suspeita de que as evidências de uma testemunha-chave no julgamento de Jimmy Lai, magnata chinês da mídia, teriam sido obtidas por meio de tortura. As informações foram divulgadas na quarta-feira (31) pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Alice, que é especialista em tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, manifestou “profunda preocupação” de que as evidências a serem apresentadas contra Lai, fundador do jornal Apple Daily e uma importante figura no movimento pró-democracia de 2019 em Hong Kong, possam ter sido “obtidas ilegalmente”. Ela enfatizou a necessidade de uma “investigação imediata” antes da admissão de qualquer prova nos procedimentos em curso.

A relatora especial afirmou que a principal testemunha da acusação no julgamento do empresário pode ter sido torturada no período em que esteve detida em uma prisão na China entre 2020 e 2021, quando as provas foram obtidas.

Jimmy Lai chega para ser julgado em dezembro de 2020 (Foto: Divulgação/Pakkin Leung)

Na China, existe vasto registro de práticas de tortura, incluindo o uso de cadeiras de contenção fixas para arrancar confissões, como apontado por Alice. Ela ressaltou a proibição total do uso de evidências obtidas por meio de tortura ou tratamento cruel em qualquer procedimento, instando o governo chinês a investigar prontamente essas alegações.

Alice também lembrou à China de sua obrigação de investigar todas as denúncias de tortura, processar ou extraditar suspeitos, punir os responsáveis e oferecer recursos às vítimas, destacando que Beijing ratificou a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Embora a ONU não tenha citado nominalmente a testemunha, a rede Radio Free Asia sugere se tratar de do ativista Andy Li, membro de um grupo de 12 manifestantes de Hong Kong capturados pela Guarda Costeira da China enquanto tentavam fugir para Taiwan usando uma lancha, em 2020. Eles tentavam escapar de acusações relacionadas aos protestos antigoverno de 2019.

Em comunicado emitido no dia 4 de janeiro, os advogados de Lai afirmaram que evidências credíveis indicam que Andy Li foi torturado durante sua prisão na China antes de “confessar” ter supostamente conspirado com Jimmy Lai para colaborar com entidades estrangeiras, colocando em perigo a segurança nacional.

“As provas de Andy Li contra Jimmy Lai, que se suspeita terem sido coagidas e obtidas depois de ter sofrido tortura, tratamento desumano e degradante na detenção chinesa, com o conhecimento das autoridades de Hong Kong, são centrais para o caso da acusação”, disseram os advogados.

A situação de Lai

Lai é acusado de comandar um “sindicato criminoso” que fazia lobby para obter sanções internacionais contra a China. O Apple Daily, que o magnata comandava, foi fechado em junho de 2021, depois de as autoridades usarem a lei de segurança nacional para congelar seus ativos devido ao conteúdo das reportagens, consideradas sediciosas. Ele está preso justamente por seu papel nas manifestações populares, condenado por crimes previstos na lei de segurança nacional.

Outra acusação que pesa contra Lai, em um processo à parte, é a de supostamente ter ajudado o ativista Andy Li a fugir de Hong Kong. O barco no qual Li e mais 11 pessoas tentavam escapar foi interceptado pelas autoridades, e agora todos são acusados de “cumplicidade com forças estrangeiras que ameaçam a segurança nacional da China”.

Caso seja condenado, o magnata poderá receber uma sentença de prisão perpétua. Em 22 de janeiro de 2024, vários especialistas da ONU, incluindo a relatora especial sobre tortura, pediram às autoridades de Hong Kong que abandonassem todas as acusações contra Lai e o libertassem imediatamente.

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