No ano passado, os EUA enviaram a Taiwan centenas de paletes com equipamentos e munições que estavam “mal embaladas” e acabaram se tornando “inutilizáveis” devido à umidade, após meses de armazenamento inadequado em uma base aérea, conforme relatado por um órgão de fiscalização do governo, que informou que o equipamento danificado fazia parte de um pacote de US$ 345 milhões aprovado por Joe Biden em 2023. As informações foram publicadas pelo South China Morning Post.
Em um relatório divulgado na semana passada, que detalha a má gestão do Pentágono na entrega de itens militares ao território aliado, o Gabinete do Inspetor-Geral (OIG, da sigla em inglês) alertou que esse erro poderia manchar a reputação dos EUA, especialmente depois que Taiwan gastou semanas secando e avaliando as remessas danificadas.
Segundo a agência independente, entre novembro de 2023 e março de 2024, uma quantia considerável dos 504 paletes destinados à ilha sofreram danos por água depois de serem armazenados por pouco mais de três meses em um porto aéreo com proteção inadequada.
Ao chegarem à ilha semiautônoma, 120 desses paletes danificados continham coletes à prova de balas encharcados e mofados, tornando-os quase inutilizáveis. A agência de supervisão do Departamento de Defesa dos EUA também informou que alguns dos 2,7 milhões de cartuchos de munição mal embalados foram fabricados em 1983 e estavam vencidos.
Além disso, a munição estava misturada em diferentes tipos de embalagens, incluindo algumas originais, outras substitutas e outras soltas, o que dificultou a gestão e o inventário preciso por parte dos militares taiwaneses. Além disso, seis metralhadoras M240B foram encontradas jogadas em uma grande caixa de papelão, sem qualquer tipo de embalagem ou acolchoamento para proteção.
“Ninguém deve usar o equipamento mofado”, afirmou o OIG, citando a opinião de especialistas que alertam que “esporos de mofo representam uma preocupação para a saúde e segurança, especialmente para pessoas com problemas respiratórios preexistentes”.
Segundo o OIG, os problemas resultaram em custos adicionais consideráveis, com Taiwan gastando US$ 618 mil em mão de obra e materiais para reparar o equipamento mofado e mais US$ 113 mil para substituir os coletes à prova de balas danificados.
O relatório ainda destacou que a entrega de itens inadequados “compromete a capacidade do Departamento de Defesa dos EUA de cumprir as metas de cooperação em segurança” e pode resultar na “perda de confiança dos parceiros internacionais”.
Por que isso importa?
Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.
Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.
Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.
A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.
A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, à ilha em 2022. Foi a primeira pessoa ocupante do cargo a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.
O treinamento serviu como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.
Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro de 2022 “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.