É cada vez maior o distanciamento entre o governo da China e a junta militar que comanda Mianmar. A falta de perspectiva de uma solução pacífica para a crise na pequena nação do Sudeste Asiático, onde têm se intensificado os confrontos entre as Forças Armadas e grupos rebeldes, incomoda Beijing, que vem pressionando o regime para cumprir a promessa de novas eleições. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).
O golpe de Estado em Mianmar, ocorrido em fevereiro de 2021, foi inicialmente recebido com reprovação pela China, que negociava acordos comerciais com o governo eleito e sofreu perdas financeiras com a tomada de poder. Beijing chegou a pressionar a junta para não dissolver o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês), que venceu as eleições de novembro de 2020 com 82% dos votos.
Mas o cenário mudou rapidamente. Com os rebeldes enfraquecidos, Beijing passou a agir para não se distanciar da junta, chegando a classificar a prisão da líder democrática Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
Com os militares efetivados no poder e a resistência democrática esmagada, a China tornou-se inclusive um importante fornecedor de armas para a junta, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU (Organização das Nações Unidas) para enfraquecer o regime birmanês.
O apoio chinês, no entanto, foi insuficiente para permitir que os militares se impusessem sobre os grupos rebeldes armados. As hostilidades inclusive respingaram na China, com um bombardeio no norte de Mianmar atingindo o território chinês em novembro do ano passado. Ao menos um cidadão chinês morreu na oportunidade, embora os dois governos não tenham oferecido informações mais detalhadas.
Mas é com as finanças que Beijing mais se preocupa. Conforme avançam e conquistam território, os grupos rebeldes colocam em risco as obras do Corredor Econômico Mianmar-China, que engloba uma série de projetos de infraestrutura para conectar os dois países, e do porto em Kyaukphyu, no estado de Rakhine, um dos principais palcos de confrontos.
Hoje, para que suas obras prossigam normalmente, a China não pode se esquivar de negociações com o Exército Arakan, que integra uma coalizão rebelde ao lado de outras duas fações, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang. É essa facção rebelde que controla quase todas as áreas em torno de Kyaukphyu, embora não tenha poder sobre o porto em si.
Consciente da importância do apoio chinês, o Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), que estabeleceu um regime paralelo em desafio à junta militar, fez um aceno a Beijing em janeiro, ao defender as reivindicações territoriais chinesas. Na ocasião, o grupo, formado por líderes civis e ativistas birmaneses de oposição, publicou um declaração apoiando o princípio “Uma só China”, segundo o qual Taiwan é território chinês, assim como Hong Kong.
Dada a política externa cautelosa da China, não se deve esperar uma manifestação pública recíproca de apoio aos oposicionistas. A portas fechadas, entretanto, Beijing deixa transparecer sua preferência por novas eleições, como prometido pela junta. A recente sinalização dos militares de que estenderão para além de 1º de agosto o estado de emergência decretado no país definitivamente desagrada os chineses.
Segundo a RFA, a mensagem entregue pela China ao regime birmanês é clara. “Os únicos que não estão entendendo essa mensagem são os generais, que estão encasulados em sua capital fortaleza e alheios às suas crescentes perdas no campo de batalha.”