Junta dribla sanções para comprar o combustível que sustenta bombardeios em Mianmar

Ataques aéreos que aterrorizam os civis só são possíveis porque o regime bolou uma estratégia para contornar os vetos ocidentais

O golpe de Estado em Mianmar completa três anos nesta quinta-feira (1º), e a ditadura nunca esteve tão perto de sofrer uma derrota definitiva. Entretanto, mesmo sob forte pressão de grupos rebeldes armados, o regime sobrevive. Isso se deve principalmente aos bombardeios indiscriminados, essência da estratégia militar da junta. Para manter sua Força Aérea operante, o governo adota uma estratégia emergencial que permite driblar as sanções impostas pelo Ocidente para privar os jatos de combustível.

A ONG Anistia Internacional analisou dados marítimos, comerciais, aduaneiros e de satélite para entender como a junta segue abastecendo seus jatos mesmo diante das duras sanções lideradas por EUA, Reino Unido e União Europeia (UE). Afinal, os ataques aéreos são a principal resistência dos militares, cada vez mais acuados frente aos avanços rebeldes.

Manifestante protesta contra ataques aéreos em Mianmar (Foto: Twitter/Reprodução)

“Depois de a comunidade internacional ter tomado medidas relativas a esta cadeia de abastecimento mortal, os militares de Mianmar estão rasgando uma página do manual de evasão de sanções para continuarem a importar combustível de aviação”, disse Montse Ferrer, diretora regional adjunta de investigação da ONG.

Para contornar as proibições, o governo recorreu a uma rede de intermediários que permite comprar o combustível de forma indireta, sem que o regime precise necessariamente negociar com o vendedor. Ou seja, o produto é comprado e vendido diversas vezes até chegar ao país asiático, fugindo assim de uma eventual recusa da fonte original, ou mesmo evitando que esta seja punida.

Os dados divulgados pela Anistia apontam que a entrada do combustível em Mianmar se dá pelo Vietnã, através de navios que vão buscar o produto em unidades de armazenamento.

“As unidades de armazenamento tornam o combustível notoriamente difícil de rastrear”, explica Ferrer. “Além disso, quanto maior for uma unidade de armazenamento, mais navios chegam com diferentes tipos de carga, tornando praticamente impossível o rastreio das mercadorias por intervenientes externos.”

Foram confirmadas pelos investigadores sete entregas em 2023, e em três delas foi possível determinar a escala imediatamente anterior do combustível antes da chegada ao Vietnã: em duas oportunidades o carregamento passou pela Malásia, e em outra, pela China. Não está claro, porém, se as empresas e os países citados tinham consciência de que o destino final seria Mianmar, mais especificamente o porto de Thilawa, onde todas as entregas foram feitas.

“O papel desempenhado aqui pelo Vietnã é particularmente problemático. O porto de Cai Mep é essencial para o funcionamento desta nova cadeia de abastecimento, por isso o governo vietnamita tem a obrigação de garantir que seus portos não sejam utilizados para atividades ligadas a violações dos direitos humanos”, disse Ferrer.

Milhares de vítimas

Segundo o grupo de monitoramento britânico Action on Armed Violence (AOAV), Mianmar foi o quarto colocado no ranking de vítimas de armas explosivas no mundo em 2023, com 2.165 pessoas atingidas, sendo que 745 morreram. No ano passado, o país asiático ficou atrás somente de Gaza e Ucrânia, que estão em guerra, e do Sudão, que igualmente atravessa um conflito civil.

“Os incidentes de utilização de armas explosivas aumentaram 73%, de 550 registados em 2022 para 949 no ano passado, e as vítimas civis aumentaram 121%, de 980 para 2.165”, diz a AOAV. “As mortes de civis aumentaram 155%, de 292 para 745. Os intervenientes estatais, especificamente a junta militar, são os autores alegados de 46% (435) dos incidentes e de 85% (1.850) das vítimas civis, incluindo 88% (653) das mortes.”

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