Atual avanço rebelde é maior ameaça ao poder dos militares desde o golpe em Mianmar

Insurgentes de minorias étnicas impuseram derrotas significativas aos militares, que projetam um país 'dividido em várias partes'

O regime militar que impera em Mianmar enfrenta atualmente seu maior desafio desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021. A manutenção do poder pela junta que governa o país está ameaçada devido aos recentes avanços obtidos por grupos rebeldes étnicos armados que lançaram uma ofensiva conjunta em outubro.

Segundo a agência Reuters, o presidente do Conselho de Administração do Estado, Myint Swe, afirmou em reunião do Conselho de Defesa e Segurança Nacional, no final da semana passada, que o país corre o risco de “ser dividido em várias partes” caso o governo não consiga “gerir eficazmente os incidentes que acontecem na região fronteiriça.”

Em seus últimos avanços, os insurgentes conquistaram cerca de cem posições antes ocupadas pelos militares, assumindo o controle de armas e outros equipamentos militares que tendem a aumentar seu poder de fogo em confrontos futuros, de acordo com a agência Al Jazeera.

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta em Mianmar desde o golpe (Foto: Wikimedia Commons)

O líder golpista Ming Aung Hlaing, por sua vez, minimizou as recentes derrotas e disse, na mesma reunião em que Myint se manifestou, que as Forças Armadas “recuperaram com sucesso o controle da situação”, de acordo com a mídia estatal.

O otimismo do general, porém, contrasta com a confiança dos rebeldes, que no sábado (11) celebraram bastante a queda de um jato da Força Aérea birmanesa. Eles dizem ter sido responsáveis pela queda, enquanto os militares alegam que houve um problema mecânico com a aeronave.

A intensificação das hostilidades fez crescer também o deslocamento de pessoas sobretudo no estado de Chin, de onde cerca de cinco mil pessoas cruzaram em direção à Índia.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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