Missão secreta da CIA tentou sabotar produção de ópio no Afeganistão com sementes modificadas

Operação clandestina lançada durante a guerra no Afeganistão buscou enfraquecer o comércio global de heroína, mas terminou sem resultados duradouros, segundo ex-funcionários e relatórios oficiais

Durante duas décadas de guerra no Afeganistão, os Estados Unidos lançaram muito mais do que bombas e mísseis. Entre milhões de toneladas de armamento, a CIA espalhou dos céus algo inesperado: sementes de papoula modificadas. O objetivo, segundo investigação do The Washington Post, era sabotar a produção de ópio que sustentava tanto a economia rural afegã quanto o financiamento do Taleban.

A chamada missão secreta da CIA no Afeganistão começou em 2004 e durou mais de dez anos. Em operações noturnas, aviões militares lançavam bilhões de sementes especialmente cultivadas sobre as províncias de Helmand e Nangarhar, as maiores regiões produtoras de papoula. As plantas resultantes tinham baixíssima concentração dos alcaloides usados na fabricação de heroína, o que reduziria, a longo prazo, a potência da droga e o lucro do tráfico.

Um morador de Por Chaman auxilia vizinhos na destruição de um campo de papoulas no distrito de Por Chaman, província de Farah, no Afeganistão (Foto: WikiCommons)

De acordo com 14 fontes ouvidas pelo jornal, o programa foi conduzido em sigilo absoluto pelo Centro de Crime e Narcóticos da CIA e autorizado diretamente pelo então presidente George W. Bush. Nem o governo afegão de Hamid Karzai nem parte do alto escalão do Pentágono e do Departamento de Estado tinham conhecimento da operação.

O plano, descrito por ex-funcionários como “um experimento ousado”, buscava uma forma não militar de enfraquecer o comércio de drogas sem alienar os agricultores afegãos, que dependiam da papoula para sobreviver. A agência acreditava que as novas sementes cruzariam naturalmente com as variedades locais, tornando-se dominantes ao longo do tempo e degradando a qualidade do ópio.

Mas a eficácia da operação nunca foi comprovada. Muitos detalhes continuam classificados, e o impacto real sobre a produção de heroína permanece incerto. Um relatório de 2018 do Inspetor-Geral para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR) concluiu que nenhum programa americano, aberto ou secreto, conseguiu reduzir de forma duradoura o cultivo de papoula ou a produção de ópio no país.

Segundo fontes ouvidas pelo Post, o programa consumiu grande parte do orçamento operacional do centro antidrogas da CIA e acabou sendo encerrado por volta de 2015, em meio a cortes de verbas. “Funcionou por um tempo, mas depois o efeito desapareceu. Ainda assim, foi uma ideia criativa”, disse um ex-funcionário sob anonimato.

Ao longo dos anos 2000, o ópio afegão representava cerca de 90% do fornecimento global de heroína. Ele alimentava redes de corrupção, financiava o Taleban e minava os esforços de estabilização do governo Karzai. Os Estados Unidos chegaram a gastar mais de 9 bilhões de dólares em programas de combate às drogas, da erradicação manual ao uso de herbicidas, sem resultados consistentes.

Após o retorno do Taleban ao poder em 2021, o grupo anunciou a proibição total do cultivo de ópio. Em 2023, a produção caiu 95%, segundo a ONU. No entanto, o relatório mais recente indica que o plantio voltou a crescer e se deslocou para o nordeste do país, longe das antigas áreas onde a CIA realizava lançamentos aéreos.

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